quarta-feira, 20 de abril de 2011

Ruy Ventura: Arquitectura do Silêncio. «...os carvalhos preparam a cerimónia do silêncio, alguém que fecha uma janela ao fim da manhã, rente à memória a sombra...»

Cortesia de bandadacovilha

A música
a música (de beethoven) é incompatível com a velocidade do automóvel
nas curvas da estrada e
do tempo
os carvalhos preparam a cerimónia do silêncio
alguém que fecha uma janela ao fim da manhã
rente à memória a sombra
os sons adivinhando mais uma chuvada
os vestígios da angústia
que alguém transcreve perante o anoitecer

Lembro a tua face tocada levemente pelo frio
a íntima
relação do teu corpo ao interior da terra
relembro o teu olhar procurando no fumo de um cigarro
a presença de alguns riachos
o som da bicicleta

a música
incompatível com a velocidade do automóvel
abre silenciosamente o seu fruto
ausenta-se com a respiração das paredes

completa a solenidade da folhagem
tão verde quanto o ritmo a translação
das estrelas em torno de seu próprio brilho

fecho os olhos e
pelo quarto adentro circulam minúsculos
objectos e lugares que jamais visitarei
(é fácil - parece - esconder dentro das paredes
a substância a superfície
da terra)

de beethoven a música a velocidade mínima
a observação
a experimentação da voz sobretudo
a condição da noite perante a longa incerteza
a mesa posta como se fora
um navio
a meio do tejo
olhando
um pinheiro
a angústia simples da infância
(sonata nº 14)

a cidade longe do vidro que resguarda todas as manhãs
encontra dentro de si
o seu lugar
prolongado na noite como uma onda
ou um grito
Ruy Ventura,  para sabrina sedlmayer

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