quinta-feira, 7 de abril de 2011

Oliveira Martins: O Príncipe Perfeito. Prefácio, Parte III. « ...Na mesma luta e seus episódios é que viria a concentrar-se o supremo interesse político do reinado, em quanto respeitava à constituição interna da Nação e seu modo de ser orgânico. A nobreza seria esmagada. Não lhe valeria sequer a intervenção de Ana de Mendonça, em que a princípio tanto se fiara»

Cortesia de arquivohistoricomadeira

«A narrativa desenvolvida da expedição de Diogo Azambuja, iniciada em 12 de Dezembro de 1481 e da qual resultou a construção do forte de S. Jorge da Mina, e bem assim, e a par dessa , a história das descobertas de Diogo Cão, que levaram até 26º 35 a África conhecida. A ideia das duas expedições de Azambuja e Diogo Cão, é o primeiro acto colonial de D. João II, consolidar o domínio na Mina e prolongar o reconhecimento da costa para o Sul.
Se continham em germe as consequências finais e transcendentes de toda a política ultramarina de D. João II. A consolidação do domínio ao longo da costa do Atlântico representava a vantagem imediata de ampliar, pela única forma possível, a área do reino, estreitamente apertado entre a espanha e o mar. O prosseguimento das descobertas visava mais longe. Significava a esperança de atingir o Extremo Oriente, as Índias, e o Catai e Cipango por uma nova derrota, importando como consequência suprema o substituir Portugal a Veneza, o deslocar o eixo comercial do mundo, o fazer Lisboa o grande empório das transacções mercantis, o centro da navegação, a cidade, enfim, da qual, mais tarde, Camões poderia escrever:

E tu, nobre Lisboa, que no mundo
Facilmente das outras és princesa, 
.....................................................
Tu a quem obedece o mar profundo...

Cortesia de nunopeb
... querendo coligir todos os elementos jurídicos da sua defesa D. Fernando enviou então a Vila Viçosa um seu confidente, e dessa diligência resultara a primeira prova de uma secreta inteligência com Castela, filha do insanável antagonismo com a pessoa e processos de governo de D. João II. Ouçamos Resende a tal respeito:
  • ... por ver se poderia remediar isto, que muito sentia, mandou logo o bacharel João Afonso, veador da sua fazenda a Vila Viçosa, e deu-lhe a chave de um cofre em que tinha suas doações, e escrituras, e todos os papéis de seu segredo, e mandou-lhe que o abrisse, e ante todos buscasse todas as que lhe parecessem, que para este caso lhe cumpriam. ... E andando assim em busca dos ditos papéis, topou com algumas cartas, e instruções de Castela, e para os Reis de Castela, delas próprias, e outras emendas corrigidas, e emendadas da letra do mesmo Duque. E vendo que eram contra o Estado, honra o serviço sel rei determinou logo lhe ir tudo mostrar, e sem detença alguma partiu de Vila Viçosa escondidinho, e veio a Évora, e secretamente falou com el-rei com mui resguardo, e com palavras de muito bom homem, e leal vassalo mostrou tudo a el-rei. ... E el-rei tomou os próprios ao dito Lopo de Figueiredo, para os tornar ao cofre donde os tirara. E porém dali por diante como prudente começou entender, e olhar por muitas coisas, e andar sobre aviso do Duque, e ter dele muitas suspeitas, e má vontade sem lhe nunca dar a entender.

Cortesia de estrolabio
Ficara desde então travada a luta. Os adversários defrontavam-se e a catástrofe de Évora já se descortinava ao longe como lúgubre epílogo da tragédia em que ia resumir-se essa luta entre a oligarquia aristocrática, e a monarquia despótica e absorvente, entre o rei aliado com o povo por um lado, e a  nobreza ligada a Castela pelo outro.
Na mesma luta e seus episódios é que viria a concentrar-se o supremo interesse político do reinado, em quanto respeitava à constituição interna da Nação e seu modo de ser orgânico. A nobreza seria esmagada. Não lhe valeria sequer a intervenção de Ana de Mendonça, em que a princípio tanto se fiara.
Por muito grande que fosse o amor tributado por D. João II à formosa aia de D. Joana, sempre imperou nele mais a razão de Estado e a consciência dos seus deveres para com a Nação, do que os impulsos de um ânimo apaixonado». In O Príncipe Perfeito, Oliveira Martins, Guimarães e Cª Editores, 6ª edição 1984.

Cortesia de Guimarães e Cª Editores/JDACT