quinta-feira, 21 de abril de 2011

Alegoria da Dança. Reflexões sobre a dança a partir das metáforas de Zaratustra. Parte III. «Como categoria filosófica, é essencial no sistema de pensamento de Schopenhauer, que define o sentido da vida como o da «vontade de viver» e, em Nietzsche, também é fundamental, na condição de «vontade de poder»»

(1844-1900)
Rocken, Alemanha
Cortesia de wikipedia

Reportando-me à exposição de António Sérgio na BM de Portalegre.
Com a devida vénia a Odilon José Roble.

Resumo
«Com base no pensamento do filósofo alemão Friedrich Nietzsche, busca-se esclarecer o conceito de «dança» utilizado alegoricamente pelo autor nas suas obras, especialmente em «Assim Falou Zaratustra». Nota-se que tal conceito tem fundamento na sua admiração pelo helenismo, mais especificamente na estética dionisíaca, e que as formas actuais de compreensão da dança podem estar distantes da caracterização realizada por Nietzsche. Observa-se também que, na filosofia nietzschiana, a alegoria da dança configura-se como um importante instrumento para o projecto de transfiguração moral proposto pelo autor.

Cortesia de lagash
«O espírito humano pode ir ainda mais além da resistência do camelo ou da força do leão: ele pode assumir o espírito da criança. O mais poderoso dos espíritos é aquele que tem em si a criança e isso significa, fundamentalmente, a capacidade de ser livre, de brincar com a vida, de esquecer activamente e de amar a existência. Em suma, o espírito da criança é um grande «sim» à vida. Essa posição da filosofia de Nietzsche, que encontra fundamento, em parte, na influência que Schopenhauer teve sobre seu pensamento, é conhecida por «vitalismo». Tanto em Schopenhauer como em Nietzsche o vitalismo é uma filosofia de inclinação radical à vida. No caso da metáfora do primeiro discurso de Zaratustra, o espírito da criança compreende esse amor e, assim, trata do homem que tem vontade. A vontade, como categoria filosófica, é essencial no sistema de pensamento de Schopenhauer, que define o sentido da vida como o da «vontade de viver» e, em Nietzsche, também é fundamental, na condição de «vontade de poder».

Cortesia de anaelo15
Brincar com a realidade, dizer sim à vida, mover-se como um ser de vontade. Esses são os primeiros passos, ou o pano de fundo para se compreender o porquê da escolha de Nietzsche pela metáfora da dança. A dança parece querer essa leveza ou ligeireza. A agilidade do dançarino é o suporte da vida vivida com o espírito da criança. A dança que Nietzsche enxerga é aquela que não tem códigos determinando sua acção, mas, ao contrário, ela é a própria desintegrada dos códigos, dos lugares-comuns, da normalidade.

Desde suas primeiras obras Nietzsche percebe o papel transformador da arte. Em um mundo dominado pela fraqueza moral, na qual os homens se submetem ao medo e, assim, renunciam à vida, a arte aparece como representante de um poder vital. A dinâmica da arte é capaz de reintegrar o homem à vida, devolvendo a energia que a submissão lhe roubara. Essa forma de entender a arte é fundamentalmente antagónica àquela que se desenvolve após o advento da tragédia no cenário grego dos séculos V e IV a.C.

Cortesia de moltagge
Fundamentando um novo formato para o teatro, no qual nota-se a presença do solista, do coro ensaiado, dos recursos cénicos não espontâneos o teatro vai se configurando, na opinião de Nietzsche (2003), em uma forma institucionalizada de se conduzir as emoções e de se obliterar o papel dionisíaco da arte. Para que arte seja de facto vital e ofereça ao indivíduo uma experiência única e totalizante sobre a vida ela deve ter a energia anterior ao do regramento trágico, ela deve ser, em suma, dionisíaca.

Os cultos dionisíacos estão, certamente, entre as manifestações mais efusivas da cultura helenística. Em homenagem ao deus do vinho, clamando-se por sua fertilidade, os cortejos eram levados ao êxtase entusiástico conduzidos, sobretudo, pelo vinho e pela dança. A dedicação de Nietzsche ao resgate dos valores pré-socráticos da cultura grega, em especial, do dionisíaco, levou-o, assim, à valorização da dança. Pois então há de se compreender que essa dança, que Nietzsche nos apresenta como enérgica, visceral, destruidora, é uma dança dionisíaca, uma expressão de êxtase e entusiasmo do corpo com a música, com o divino e com o outro. Vejamos, brevemente, cada uma dessas relações em separado para, assim, tecermos mais algumas reflexões sobre a dança a partir das imagens de Nietzsche». In Alegoria da Dança, Reflexões sobre a dança a partir das metáforas de Zaratustra.

Continua.

Cortesia de Odilon José Roble/JDACT