sexta-feira, 18 de março de 2011

Infanta D. Maria de Portugal. As suas Damas: «Formosura suavíssima, bem revelada na alvura da pele, no azul celeste dos olhos vividos e na cor loira dos cabelos que por de sobre (sic) uma ligeira coifa, alevantando-se em arredondada frisa até às fontes, segundo a moda do tempo, lhe coroavam de ouro a espaçosa e ampla fronte, onde o talento espontâneo evidentemente se expandia»

Cortesia de wook 

Com a devida vénia a Carolina Michaelis de Vasconcelos e a Enclave de Reabilitação Profissional da Biblioteca Nacional, Novembro 1994, edição facsimilada, WOOK, ISBN 972-565-198-7.

Não se esqueceram, de certo, dos epítetos pomposos em que o nome de D. Maria costuma andar envolvido:
  • Flor e honra das princesas;
  • Esplendor de pureza;
  • Prima das mulheres portuguesas;
  • Flor intacta de virgindade ou exemplo de castidade;
  • Minerva do seu século ou formosa Minerva;
  • Rara ave ou Phoénix pela sua prudência e singular intendimento de todos os assuntos;
  • Eruditíssima;
  • Segunda Zenobia;
  • Placídia Bela.
Eis alguns dos títulos que lhe foram aolicados pelos biógrafos e pelos coevos quando lhe iam dedicando obras eruditas ou amenas. Não deixarei, todavia, de observar que humanistas da mais pura água, como André de Resende e Manuel da Costa não se pejaram de lhe tributar honras divinas. Algumas citações, dispersas por estas páginas, mostrá-lo-ão pouco a pouco.

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Quase sempre é a sabedoria e a castidade, que se põe em foco. Menos vezes a sua formosura e gentileza. O melhor que teriamos a fazer para avaliar os dotes físicos, seria considerarmos uma série de efígies autênticas. Mas onde estão elas?
Não padece dúvida que a filha de D. Manuel foi retratada em diversas ocasiões por pintores de renome, nacionais e estrangeiros, dos mais célebres que trabalharam entre 1520 e 1580 na corte portuguesa. Além do «miniaturista» António de Holanda e seu filho Francisco, o Apelles português, os que provavelmente executaram pinturas da Infanta ao natural foram:
  • António Moro, 1551;
  • Afonso Sanches Coelho, 1551-1554;
  • Hans van der Staten, 1556;
  • Christoph von Utrecht, 1557.
Quantas iluminuras, medalhas, chapas de cobre, tábuas grandes e telas destes mestres, e de outros de menor fama, não seriam enviadas à mãe que se consumia ao longe em amargas saudades durante 7 lustros (1523-1558)! Quantas seriam remetidas aos soberanos que requestavam a mão da Infanta! Ou haveremos de acreditar que nem sequer desejavam examinar as feições nobres e delicadas da desposada, os sete noivos platónicos e longínquos que pouco a pouco surgiram no seu horizonte?

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Quantas ficariam além disso no reino a adornar os paços régios, e a falar aos pintores das obras pias que instituiu! No estrangeiro, talvez na França, Espanha e Áustria, perderam-se vários desses retratos, por incêndios ou estragos do tempo. Alguns lá estarão ainda em palácios e museus, escondidos ou não identificados.
O único de que por ora há notícia, é um que em Madrid faz parte do Museu do Prado, não documentado, mas com atribuição tradicional à Infanta, a qual creio firmada em boas razões. É o reproduzo segundo uma bela fotografia, tirada directamente sobre o original. Dele falarei depois de ter passado em revista os restantes. Os de Lisboa são três. Um conserva-se num retábulo da Igreja conventual da Luz.
O facto de a capela-mor desse importante edifício ser fundação de D. Maria e destinada para seu jazigo, suscita naturalmente a esperança de o retábulo ser doação e representar fielmente as suas feições. Mas a suspeita é errónea. A construção foi acabada depois do seu falecimento. Sepultada provisoriamente no Capítulo da Madre de Deus, junto à rainha D. Leonor, só ao cabo de quase vinte anos foi trasladada para a sua modesta morada no pavimento da Luz.

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O quadro que a mostra em idade juvenil não tem carácter de autentidade. Obra do século XVIII é, no caso melhor, cópia de um original antigo, lá de 1540 e tantos, talvez de António ou Francisco de Holanda.
Outro, diverso mas muito semelhante, a ponto de considerarmos um dos dois como repetição do outro, pertencia em princípios do século ao Real Mosteiro da Encarnação, mais uma das muitas casas santas que a Infanta mandou construir. sobre ela foi feita uma Estampa que, figurando na colecção iconográfica de 1817 e correndo solta vulgarizou um quadro, aparentemente digno de confiança. Ignoro onde pára hoje, e se porventura o teve à mão um dos paladinos modernos da Infanta que a descreveu do modo seguinte:
  • «Formosura suavíssima, bem revelada na alvura da pele, no azul celeste dos olhos vividos e na cor loira dos cabelos que por de sobre (sic) uma ligeira coifa, alevantando-se em arredondada frisa até às fontes, segundo a moda do tempo, lhe coroavam de ouro a espaçosa e ampla fronte, onde o talento espontâneo evidentemente se expandia».
Cumpre conferir essas indicações com as que acerca do quadro da Luz redigiu um dos poucos que desdenham a erudição da princesa, mas ainda assim não se subtraem às suas graças mulheris:
  • «um sympathico rosto loiro arruivado, com beiços grossos e olhos azues intelligentes, emmoldurado em altiva gorjeira de cassa».
Ainda numa outra fábrica, custeada em tempo de Pacheco, e vê-se hoje a sua imagem. Falo do Hospital da Luz, perto do convento (hoje Colégio Militar). Na capela que ficava no meio das enfermarias, dedicada à Virgem dos Prazeres, lá estava a fundadora aos pés da padroeira, oferecendo-lhe aquela obra de arquitectura, com umas letras que dizem Santa Maria succurre Miseris».

A respeito de uma pintura, de autor desconhecido, enviada à França em fins de 1541 ou princípios de 1542, falarei depois...

Cortesia de Livraria Wook/JDACT