sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

TEMÁTICA, a Maçonaria: Parte III. Oliveira Marques sobre a Maçonaria. «O ritual maçónico compreende uma série de cerimónias, sinais, toques e palavras, ilustrando-se mediante paramentos, objectos e outros elementos decorativos de grande riqueza emblemática»

Cortesia de oliveiramarquestripod
Ritual
«A forma da Maçonaria é ritualista, reza o artigo 2.º da Constituição Portuguesa de 1926. Eis a caraeterística maçónica que mais contribui para afastar e para atrair os profunos, para justificar acusações de arcaísmo, atitudes de mofa e de superior condescendência ou, pelo contrário, para suscitar interesses pueris de curiosidade e de mistério. Nos muitos livros e artigos escritos sobre Maçonaria por autores profanos, é o ritual - mais ou menos adulterado, quando não totalmente falsificado que aparece sempre como prato de resistência, como razão de ser desses mesmos livros e artigos. Não apenas se vicia a descrição de cerimónias e sinais de reconhecimento - transformados, muitas vezes, em grotescas cenas de carnaval ou em macabros actos aparentados com a magia negra - como também se truncam e acrescentam textos, fazendo-os dizer e significar coisas que nunca disseram nem significaram.

Cortesia de oliveiramarquestripod

Não se esqueça, para começar, que toda a nossa vida se desenrola sob o signo do ritual. Quase todos os actos de cortesia e de civilidade são ritualistas, embora tenhamos, de há muito já, esquecido o seu significado de origem. Levantar o braço com o punho cerrado ou transportar uma bandeira numa manifestação política são actos de ritual. Fazer a continência ou levar aos lábios o punho da espada são actos de ritual. Usar amuletos, medalhas e emblemas, sejam eles de carácter religioso ou político, traduzem atitudes de simbolismo ou ritualismo que normalmente não levamos em conta. Qualquer cerimónia religiosa cristã ou pagã, a missa, por exemplo, é um conjunto de ritos mais ou menos consciencializados. E os exemplos multiplicar-se-iam para lembrar ao leitor que o ritual maçónico é apenas mais um entre os muitos rituais que abundam e se entrecruzam nas nossas vidas quotidianas.

Por outro lado, o ritual da Maçonaria, para além do seu significado histórico e moral, que todo o maçon deve conhecer com rigor, tem-se simplificado com o andar dos tempos e tende a simplificar-se ainda mais, exactamente como os rituais cristãos se simplificaram e dia a dia se vão desformalizando as políticas do nosso viver civil.

Cortesia de emule
Há, é certo, na Maçonaria, uma corrente espiritualista assaz poderosa, que vê no ritual muito mais do que um conjunto de símbolos e de políticas simbólicas de fácil explicação racionalista, os quais, levando a depuração e a simplificação formalistas, próprias da nossa época, às suas ultimas consequências, se poderiam em última análise abolir por completo sem com isso ser tocada a essência da Ordem. Para essa corrente, a Maçonaria dispõe de um método próprio para a pesquisa da Verdade, admitindo-se, consequentemente, a existência de uma Verdade absoluta, a chamada iniciação temática. Mediante a iniciação, o indivíduo é levado, ao autêntico Conhecimento por uma iluminação, o interior, projecção e apreensão no centro do Eu humano da luz transcendente (R. Naudon). Nestes termos, «a iniciação real deve distinguir-se cuidadosamente das iniciações simbólicas que são apenas imagens suas». Para autores como estes, o método iniciático é uma via essencialmente intuitiva, utilizando a Maçonaria símbolos para provocar a tal «iluminação» por aproximação analógica. Naudon afirma que é difícil «clarificar os símbolos maçónicos em linguagem usual sem lhes falsificar o sentido profundo e o valor». A partir do método analógico da via iniciática, explica o mesmo autor a lei do silêncio maçónico, que interpreta como sendo, simultaneamente, de ordem simbólica e iniciática. «Só o silêncio - diz, por seu turno, C. Chevillon - pode permitir-nos entender a via subtil das essências». «Os verdadeiros segredos da Maçonaria são, aqueles que não se dizem ao adepto e que ele deve aprender a conhecer pouco a pouco, soletrando os símbolos». Ou ainda «o que-se transmite pela iniciação não é o segredo em si, o qual é incomunicável, mas a influência espiritual que tem por veículos os ritos» (R. Guenon).

Cortesia de primeirovigilante
Esta interpretação religiosa e metafísica da Maçonaria está, no entanto, longe de ser aceite por todos ou, porventura pela maioria dos maçons. Espécie de nostalgia do cristianismo ou até dos cultos herméticos do passado pagão, leva a conceber a Ordem como uma nova igreja, expressão já utilizada pelo escritor francês Jules Romains. Ela depara, todavia, com a forte resistência de todos aqueles que vêem na Maçonaria apenas uma instituição laica, racionalista e progressiva, sempre na vanguarda do conhecimento humano e nas conquistas sociais e políticas da Humanidade. Para estes, uma Maçonaria religiosa e baseada em métodos que consideram não científicos está votada ao desaparecimento ou à inutilidade. Defendendo embora o ritual e advogando até a sua prática rigorosa como cimento indispensável à unidade todos numa ligação com o passado o que não exclui ritos indispensáveis e inadiáveis, rejeitam toda a explição desse mesmo ritual que não seja puramente simbólica e nacionalista. Só dessa maneira, alegam, pode a Maçonaria alargar e diversificar as suas fileiras, integrando nelas adeptos de credos religiosos variados e filosofias políticas ateias. Esta foi-sempre, também, a corrente tradicional da Maçonaria portuguesa. Relembre-se o artigo 2.º da Constituição maçónica de 1926: «A forma da Maçonaria é ritualista».

Cortesia de gremiolusitano
A forma, apenas, e não a essência.
O ritual maçónico compreende uma série de cerimónias, sinais, toques e palavras, ilustrando-se mediante paramentos, objectos e outros elementos decorativos de grande riqueza emblemática. Funde tradições que remontam à mais alta Antiguidade com outras bem mais modernas, de há cem ou menos anos. Pode, no entanto, dizer-se que a sua parte mais importante foi constituída nos séculos XVIII e XIX». In A. H. Oliveira Marques, A Maçonaria Portuguesa e o Estado Novo, Publicações Dom Quixote, 2ª Edição 5 O 797, Maio 1983.
Cortesia de Publicações Dom Quixote/JDACT