quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Pedro Dufour: História da Prostituição em todos os Povos do Mundo. Parte II

Cortesia de libraryuniversityoftoronto

Com a devida vénia à Library University of Toronto, May 23 1968, Lisboa, Typ da Empreza Litteraria Luso-Brazileira, Pateo do Aljube 5, 1885.

Capítulo II
O Egipto apesar de toda a moral dos seus sábios e dos seus sacerdotes, não logrou ficar indiferente à praga da prostituição.
Grandes eram as suas relações de vizinhança e de comércio com os fenícios, e por isso não podia deixar de aceitar alguma coisa da religião, que lhe vinha de Tyro e de Sidónia, de mistura com a púrpura e o incenso das naus fenícias. Mas o Egipto deixou aos seus irrequietos vizinhos os dogmas da sua religião, para tão somente lhes adoptar o culto; e assim foi que, apesar de Vénus não ter tido altares com a sua invocação no império de Ísis e Osíris, a prostituição reinou ali desde os tempos mais remotos, ostentando-se ainda mais no meio das cidades, quase publicamente, do que no santuário dos templos.

Cortesia de libraryuniversityoftoronto
Não era a prostituição hospitalar. O lar doméstico dos egípcios foi sempre inacessível aos estrangeiros, por causa do horror que eles lhes inspiravam. Não era também a prostituição sagrada, porque, entregando-se a esta vida desregrada, as mulheres não cumpriam um voto religioso. Era a prostituição legal em toda a sua primitiva simplicidade. As leis autorizavam, protegiam e justificavam até o exercício deste infame comércio. A mulher vendia-se, como se fora uma mercadoria, e o homem que a comprava a dinheiro desculpava o odioso trafico que ela não aceitava senão por cobiça. A egípcia mostrava-se tão cobiçosa como a fenícia, mas não tratava de ocultar a sua avidez grosseira sob as aparências de uma prática religiosa. Era igualmente de natureza fogosa, como se o ardor do sol etíope lhe houvesse penetrado no seio libidinoso, e tinha sobre tudo, se dermos crédito a Ctesias e Atheneu, aptidão e talento incomparáveis para inflamar e satisfazer as paixões dos homens. Mas tudo isto não passava de uma hábil estratégia para obter muito maiores lucros. E foi desta arte que as cortesãs egípcias lograram alcançar uma fama ruidosa, que procuraram sempre manter em todo o mundo.

Cortesia de libraryuniversityoftoronto
A religião egípcia, como todas as religiões da antiguidade, havia divinizado a natureza fecunda e geradora debaixo dos nomes de Osíris e Ísis. Estas duas divindades foram originariamente as únicas do Egipto. Osíris e o sol representavam o princípio da vida masculina; Ísis, ou a terra, o principio da vida feminina. Apulleo, que havia sido iniciado nos mistérios da deusa, fê-la expressar nos seguintes termos:
  • «Eu sou a natureza, a mãe de todas as coisas, a primeira das divindades, a rainha dos mares, a mais antiga habitadora dos céus, a imagem uniforme dos deuses e das deusas… Eu sou a única divindade adorada no universo sob diversas formas, nomes e cerimónias. Os fenícios chamam-me a mãe dos deuses; os de Chipre, a Vénus de Paphos».
Ísis não era senão Vénus, e o seu culto misterioso recordava por uma grande multidão de alegorias a função que a mulher ou a natureza fêmea desempenham no Universo.
Osíris, seu esposo, era o emblema do homem, ou da natureza máscula, que tem necessidade do concurso da natureza fêmea para criar novos seres. O boi e a vaca eram, pois, os símbolos de Osíris e de Ísis. Os sacerdotes da deusa levavam nas cerimónias a Joeira mística, que recebe o grão e os seus despojos, mas apura somente o primeiro, desprezando os segundos: os sacerdotes do deus levavam o sagrado Tau, ou a chave que abre as mais sólidas e difíceis fechaduras. O Tau simbolizava o órgão masculino; a Joeira, o órgão feminino. Havia ainda o olho sem sobrancelhas ou com elas, que se colocava ao lado dos atributos de Osíris para simular as relações de ambos os sexos.

Cortesia de niltoncavalini
Assim nas procissões de Ísis, imediatamente depois da vaca de leite, as raparigas consagradas, que se chamavam cystophoras, conduziam a cesta mística, feita de junco, que continha pequenos pães redondos ou ovais furados no centro. Junto das cystophoras uma sacerdotisa levava no seio uma urna de ouro em que se guardava o falo, que era segundo Apulleo a adorável imagem da divindade suprema e o instrumento dos mistérios mais secretos. Este falo, o símbolo da virilidade humana, aparecia sem cessar e sob todas as formas no culto egípcio, e era a representação figurada de uma parte do corpo de Osíris, que Ísis não pudera encontrar, quando reunira e conjugara os membros dispersos de seu esposo, morto ou mutilado pelo odioso Typhon, irmão da vítima. Pode avaliar-se o que seria o culto de Ísis e Osíris, pelos próprios objectos que eram os seus misteriosos símbolos.

Em semelhante culto a prostituição religiosa devia ter a mais ampla latitude. O sacerdote aproveitava-a largamente fazendo dela um dos rendimentos mais produtivos do culto, pelo menos nos primeiros tempos. A prostituição reinava com toda a sua licença nas iniciações. O deus e a deusa haviam delegado todos os seus poderes nos seus ministros, os quais largamente se aproveitavam de semelhante concessão, iniciando os neófitos de ambos os sexos nas mais infames e escandalosas desordens.
Santo Epifânio diz que estas cerimónias ocultas eram uma alusão aos costumes dos homens antes do estabelecimento da sociedade. As iniciações consistiam na promiscuidade dos sexos e em todas as licenças sensuais da mais grosseira e brutal libertinagem. Heródoto refere-nos o modo como se preparavam para as festas de Ísis os adoradores da deusa, que tinha o nome de Diana na cidade de Bubasta:

Cortesia de valedealmeida
«Homens e mulheres, completamente confundidos sem decoro ou compostura, dirigem-se a Bubasta por água, indo em cada barca um grande número de pessoas de um e outro sexo. Enquanto dura a navegação, as mulheres manifestam uma grande alegria e algumas delas fazem ressoar as suas pandeiretas, em quanto os homens tocam flauta. Os outros passageiros cantam e batem palmas. Ao passarem em frente de alguma povoação, aproximam a barca da praia, e as mulheres desatam em grande gritaria, enchendo de impropérios quantas vêm em terra. Estas respondem aos insultos, erguendo os vestidos de uma maneira indecente».
Tais obscenidades eram apenas o prelúdio das que iam ser praticadas em redor do templo, onde todos os anos vinham pelo menos oitocentos mil peregrinos entregar-se a incríveis excessos de libertinagem.

A amizade de PC
Cortesia de Library University of Toronto/JDACT