terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Pedro Dufour: História da Prostituição em todos os Povos do Mundo. Parte I

Cortesia de LibraryUniversityofToronto

Com a devida vénia à Library University of Toronto, May 23 1968, Lisboa, Typ da Empreza Litteraria Luso-Brazileira, Pateo do Aljube 5, 1885.

História da Prostituição
Se é difícil definir a palavra «Prostituição», quanto mais difícil não será fazer a sua historia nos tempos antigos e modernos! Esta palavra que marca, exactamente como um ferro em brasa, uma das mais tristes misérias da humanidade, emprega-se menos em sentido próprio do que no figurado, e aparece frequentemente na linguagem falada ou escrita, despida da sua verdadeira acepção.
Os ilustres e conspicuos autores do Dicionário da Academia Francesa, na sua última edição, não encontraram para esta palavra melhor definição do que: Abandono á impiidicicia. E antes d'eles outro philologo francês, Richelet, teve de contentar-se com esta, ainda mais vaga: — Desregramento de vida.

Todavia o mesmo escritor, mediocremente satisfeito com semelhante explicação, teve de completar o seu pensamento com uma frase menos amfibológica : «Abandono ilegítimo que uma mulher faz do seu corpo a outra pessoa, para que esta tenha com ela prazeres proibidos.» Esta frase, que sugeriu aos autores do Dicionário da Academia a sua definição, não diz ainda tudo o que compreende a palavra prostituição, porque o abandono de que se trata tem sido em certas circunstâncias praticado por pessoas de ambos os sexos, e porque os prazeres proibidos pela religião ou pela moral são autorizados, ou quando menos, tolerados pela lei.

Cortesia de LibraryUniversityofToronto
Já na actualidade, por toda a parte, tanto em França como nos demais países submetidos a um governo regular, a prostituição vê decrescer progressivamente o numero dos seus agentes e o das suas vítimas.
Observa-se que ela retrocede perante o desenvolvimento da razão moral, como se fora acessível a um sentimento de pudor: não queremos dizer que abdique, mas o que é certo é que se vai sentindo destronada e que se envolve no seu manto de cortesã, perdida completamente a esperança de reconquistar a sua coroa impudica. Não está longe o dia em que a prostituição se envergonhe de si própria, em que saia para sempre do santuário dos costumes, em que venha a cair na obscuridade, e pouco depois no olvido. Há enfermidades no coração humano, que, como certas enfermidades físicas, acabam por gastar-se, perdendo o seu carácter epidémico, sob o influxo de um bom regime de vida. Hoje em dia apenas conhecemos a lepra de nome, e quando por acaso se encontra uma relíquia dessa terrível peste da antiguidade, reconhece-se com grande jubilo que essa enfermidade já não tem forças para propagar-se.

A prostituição, na história antiga e moderna, reveste três formas distintas, ou reduz-se a três graus que pertencem a três épocas diferentes da vida dos povos:
  • 1º - A prostituição hospitalar ou doméstica;
  • 2º - A prostituição sagrada ou religiosa;
  • 3° - A prostituição legal ou civil.
Estas três denominações resumem perfeitamente as três espécies de prostituição, que Rabuteaux qualifica nestes termos, num excelente trabalho sobre o mesmo assunto, que nos propomos tratar debaixo de um ponto de vista mais geral.

Cortesia de LibraryUniversityofToronto
«Por toda a parte, diz o erudito escritor, até onde a historia nos permite penetrar, em todos os povos e em todos os tempos, vemos como um facto mais ou menos geral a mulher, aceitando a mais odiosa escravidão, entregar-se sem eleição nem prazer aos grosseiros estímulos que a excitam e provocam. Às vezes, por se ter extinguido dentro dela completamente a luz moral, a nobre e doce companheira do homem perde nessas sombrias trevas os últimos restos da sua dignidade, e perfeitamente indiferente ao homem que a possue, vem a ser uma coisa vil entre os presentes da hospitalidade: as relações sagradas de que emanam os gozos inefáveis do lar domestico e as doçuras da família, não têm nem valor nem importância entre aqueles povos degenerados. Outras vezes, no antigo Oriente, por exemplo, e em todos os povos que ali foram beber as velhas tradições, por um consórcio muito mais repugnante ainda, o sacrifício do pudor da mulher ligava-se aos dogmas de um naturalismo monstruoso, que exaltava todas as paixões, divinisando ainda as mais brutais; e é assim que o rito sagrado de um culto degenerado e absurdo, e o estipêndio pago a sacerdotisas impúdicas vem a ser uma oferenda feita aos deuses. Noutros povos, enfim, nos que ocupam o lugar mais elevado na escala moral, a miséria ou o vício entregam aos grosseiros impulsos dos sentidos e aos seus desejos cínicos uma classe inteira, relegada para a última escória social, tolerada, mas ferida de infâmia, a classe dessas infelizes mulheres para quem a dissolução e a vergonha chegaram a ser um oficio».

Assim, pois, Rabuteaux considera como uma odiosa escravidão o que nós consideramos um obsceno tráfico. Efectivamente, nestas três formas principais, a prostituição apresenta-se-nos mais venal do que servil, porque é sempre voluntária e livre. Hospitalar, representa uma troca de cumprimentos, de conveniências, digamo-lo assim, com um estrangeiro, um desconhecido, que se torna de repente um amigo; religiosa, compra, a preço do pudor por ela imolado, os lavores de um deus e a consagração do sacerdote; legal, estabelece-se e põe-se em prática exactamente como os outros ofícios: tem, como eles, os seus direitos e os seus deveres, as suas mercadorias, os seus estabelecimentos e mercadores; vende e ganha, visto que, como o mais honesto dos comércios, não tem outro fim senão o lucro. Para que estas três classes de prostituição possam ser colocadas na categoria das escravidões morais e físicas, seria mister que a hospitalidade, a religião e a lei as tivessem criado violentamente, obrigando-as a existir, a despeito de todas as repugnâncias e resistências da natureza.

Cortesia de LibraryUniversityofToronto
A mulher ficaria então purificada pelas amorosas carícias de uma divindade. Eis como a prostituição hospitalar, comum a todos os povos primitivos, veio a perpetuar-se por tradição e por habito nos costumes da civilização antiga.
A prostituição sagrada era quase contemporânea desta primitiva prostituição, que foi de certo modo um dos mistérios do culto da hospitalidade. Logo que as religiões nasceram do temor e espanto que imprimira no coração do homem o aspecto das grandes comoções da natureza, assim que o vulcão, a tempestade, o raio, o tremor de terra, e a cólera formidável do oceano fizeram inventar os deuses, a prostituição ofereceu-se em sacrifício a esses deuses terríveis, mas não implacáveis, e o sacerdote apropriou-se muito naturalmente de uma oferenda, de que os deuses a quem ela era destinada não podiam tirar o menor proveito. Os homens, ignorantes e crédulos, levavam ao altar tudo quanto possuíam de mais precioso, o leite das suas vacas, a carne da sua caça e da sua pesca, as obras das suas mãos, e as mulheres não tardaram a oferecer-se a si próprias em sacrifício ao deus, quer dizer, ao ídolo e ao sacerdote, e o sacerdote e o ídolo recebiam a oferenda, tanto da virgindade da donzela, como do pudor da mulher casada.

Cortesia de LibraryUniversityofToronto
História da Prostituição
Primeira Parte
Antiguitlade - Grécia - Roma
Capítulo I

É à Caldea, antigo berço das sociedades humanas, que se devem ir procurar os primeiros vestígios da prostituição. Uma parte da Caldea, a que confinava ao norte com a Mesopotâmia e compreendia o país de Ur, pátria de Abrahão, tinha por habitantes povos pertencentes a uma raça selvagem, que se acolhia nas montanhas e não conhecia outra arte ou profissão além da caça. Foi este povo de caçadores rudes como as montanhas que inventou a hospitalidade e a prostituição, que era de certo modo a sua expressão franca e brutal. Na outra parte da Caldea, limítrofe da Arábia deserta, região que se desdobrava em férteis campinas, outro povo pastor de índole doce e pacifica andava errante apascentando os seus numerosos gados. Este povo observava os astros, criava as ciências, e inventando as religiões inventou também a prostituição sagrada ou religiosa. Quando Nemrod, aquele rei conquistador a quem a Bíblia chama o caçador forte diante de Deus, sujeitou ao seu domínio as duas províncias e os dois povos da Caldea, quando fundou a grande cidade de Babilónia na foz do Eufrates, no ano do mundo 1402, segundo os livros de Moisés, deixou misturar as crenças, as ideias e os costumes das diferentes raças dos seus súbditos, e nem sequer dirigiu essa fusão que se operou lentamente sob a influência do hábito. Assim, a prostituição religiosa e a hospitalar significaram desde logo uma só e a mesma coisa, vindo a ser simultaneamente uma das formas mais características do culto de Vénus ou Milita.

Cortesia de niltoncavalini
Ouçamos Heródoto, o venerando pai da história e o mais antigo coleccionador das tradições do mundo:
«Os babilónios tinham uma lei extremamente vergonhosa. Toda a mulher nascida naquele país era obrigada uma vez na vida a ir ao templo de Vénus para se entregar a um estrangeiro. Muitas delas, orgulhosas pelas suas riquezas, desdenhavam de confundir-se com as mulheres das classes inferiores e faziam-se conduzir ao templo em sumptuosos carros cobertos, nos quais permaneciam sentadas, tendo ao lado um grande numero de escravos que as tinham acompanhado; mas a maior parte das outras concorrentes sentavam-se no pavimento do templo, em sítios circunscritos por cordas estendidas. Os estrangeiros passeavam pelas ruas intermédias e escolhiam a seu gosto uma daquelas mulheres. Logo que uma concorrente se sentava no lugar sagrado, não podia voltar a casa sem que algum estrangeiro lhe tivesse atirado dinheiro ao regaço, e sem que tivesse comércio com ela fora do recinto sagrado. Ao atirar-lhe o dinheiro, o estrangeiro dizia-lhe: —«Invoco a deusa Milita.
«Por mais diminuta que fosse a quantia, não receava ser recusado. Era a lei que o proibia, considerando aquele dinheiro como sagrado. A mulher seguia o estrangeiro sem que lhe fosse permitido mostrar desagrado ou má vontade.
«Uma vez cumprido o preceito que a trouxera ao templo da deusa, apenas se entregava ao estrangeiro, voltava para sua casa, e então não era possível seduzi-la com todo o dinheiro do mundo. As mulheres, a quem coubera em sorte o grande atractivo da beleza, não permaneciam por muito tempo no templo; não sucedia o mesmo ás feias, que não podiam satisfazer á lei tão breve como desejavam. Havia algumas que permaneciam no recinto sagrado, esperando um estrangeiro, três e quatro anos». (Livro I, pag. 199).

Esta prostituição sagrada, por mais extraordinária, inverosímil e monstruosa que pareça, é um facto de incontestável verdade histórica. O culto de Milita ou Vénus Urania estendia-se de Babilónia á ilha de Chipre e à Fenícia. O profeta Baruch, que Heródoto não consultou por certo, e que se lamentava com .Jeremias dois séculos antes do historiador grego, refere as mesmas torpezas na epístola de Jeremias aos judeus, que Nabuchodonosor levara cativos para Babilónia:
  • «Mulheres cingidas de cordas sentam-se á beira das estradas e queimam perfumes. (Succendentes ossa olirarum). Quando uma delas atraída por algum transeunte se abandona à impudícicia, lança em rosto à que lhe fica mais próxima a desgraça de não ter sido digna como ela das carícias impudicas daquele homem, e de não ter podido quebrar a corda de que está cingida, (Baruch, c. 6).
A corda que rodeava o corpo da mulher consagrada a Vénus significava o pudor que só as detinha por um débil laço, que um amor impetuoso devia quebrar facilmente. O estrangeiro a quem agradava alguma destas mulheres, tomava a extremidade da corda que a cingia, e arrastava deste modo a sua conquista para debaixo dos cedros e lentiscos, que prestavam a sua sombra á consumação daquele mistério.

Cortesia de valedealmeida
O sacrifício era sobremodo grato a Vénus, quando o sacrificador, no seu amoroso transporte, quebrava impetuosamente todos os laços que lhe causavam estorvo. Os sábios, que têm comentado esta passagem de Baruch, não estão, porém, de acordo sobre a espécie de oferenda que as consagradas queimavam para tornarem a deusa propicia.
Segundo uns, era um pequeno pão de cevada ou de trigo: segundo outros, era um filtro que excitava os desejos e predispunha para a sensualidade; outros, finalmente, por uma explicação mais natural, opinam que se tratava do fruto perfumado da arvore do incenso.

Cortesia de Library University of Toronto/JDACT