sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

O Bosco Deleitoso: Mosteiro de Alcobaça. «Certamente um dos textos mais ricos e expressivos da espiritualidade portuguesa sobre a experiência do amor místico»

Cortesia de institutocamoes 

O Bosco Deleitosoou Bosque Deleitoso, é uma das obras místicas escritas no Mosteiro de Alcobaça entre os finais do século XIV e o início do século XV. Cerca de 60 capítulos transcrevem a tradução da obra de Petrarca, De Vita Solitaria. Os últimos 46 capítulos são originais. O Bosco Deleitoso foi impresso em Lisboa em 1515. O Bosco Deleitoso é certamente um dos textos mais ricos e expressivos da espiritualidade portuguesa sobre a experiência do amor místico.

«O Bosco Deleitoso Solitário é uma das obras mais marcantes da espiritualidade portuguesa medieval, profundamente marcada pelo pensamento de Petrarca e sobretudo de S. Bernardo. Escrita provavelmente no final do século XIV ou no início do século XV por um autor anónimo, mas certamente um monge, revela uma grande afinidade temática com o Horto do Esposo, tendo já sido aventada a hipótese de serem de obras de um mesmo autor. Bosco é aqui assumido no sentido de ermo, lugar de recolha, de retiro, de solidão, onde o homem, voltando-se para si mesmo, intenta conhecer-se, na linha do interiorismo agostiniano e do socratismo cristão. Conhece-te a ti próprio como condição para amar a Deus e ao próximo, tal é a primeira condição do rigorismo ascético a que esta obra nos conduz, em conselho significativamente expresso pela personagem que neste diálogo representa a sabedoria, na qual ecoa idêntico preceito expresso por S. Bernardo, para quem o «conhece-te a ti próprio» é também princípio de verdadeira sabedoria, por ser essa a via que conduz o homem a reconhecer a sua miséria, crescendo em humildade perante a grandiosidade divina.

Cortesia de auladeliteraturaportuguesa
Este livro é escrito como uma confissão autobiográfica de um pecador que é conduzido por um anjo aos caminhos da contemplação e da união com Deus, sendo nesse percurso aconselhado pela justiça, pela misericórdia, pela memória e pela sabedoria ao desprezo dos bens mundanais, que se desfazem «assi como fumo», a que se antepõe a afirmação do verdadeiro caminho do mais autêntico conhecimento, que consiste na ascese mística e na união com Deus. Torna-se pois fundamental tomar consciência de que ao homem cumpre tomar vida solitária, apartada das cidades e dos negociadores do mundo, razão por que o pecador é conduzido a um «bosco nevoso», como antecâmara de um alto monte onde o aguardarão os prazeres da contemplação. É esta a oportunidade escolhida pelo monge para nos expor o tema das relações entre a vida activa e a vida contemplativa, a que se segue o enunciado dos graus da contemplação e das três espécies de visão.
A vida activa usa bem e com justiça as coisas do mundo, mas a vida contemplativa renuncia ao mundo, voltando-se somente para Deus. Sendo «vaga de todo o negócio», é capaz de sentir o sabor do paraíso dentro da alma. No entanto, a vida activa é boa, sendo justamente considerada como degrau pelo qual se ascende, com a graça divina, à vida contemplativa.
Mas, propriamente falando, os graus da contemplação, pelos quais atingirá o homem a união mística com Deus são:
  • a obediência fundada em perfeita humildade,
  • o fazer da carne a servidora do espírito,
  • o bem obrar com descrição,
  • o conhecimento dos conteúdos da fé,
  • o guardar a limpeza da alma. 
Seguem-se os três graus finais: «o sexto é trespassares-te de juizo de razom em na afeiçom da mente, ca nom has-de julgar aquelas cousas que vires, que te forem reveladas e dadas por Deus, segundo a razom humanal. O setimo graao é sguardar e oolhar a groria de Deus com face descuberta. O oitavo é seres tresformmado de craridade em craridade».

Cortesia de dctbus
Começa aqui o interesse maior desta obra, sobretudo com os momentos em que descreve pormenorizadamente a experiência mística da visão e da união com Deus, saboreando fervorosamente o amor místico. Cabem aqui as suas inúmeras referências à «avondança de prazer» e à alegria da mente, à folgança espiritual «que me fazia todo ledo», estendendo-se essa alegria aos membros do corpo, «de tal guiza que me fazia andar assi: como bêvedo entrepeçando. E nom podia assessegar e abraçava as criaturas que achava com grandeza do amor do seu Criador», ficando a alma e a mente «esbarafida e de todo fora do seu estado e arrevatada sobre si mesma, trespassando e sobrepojando todolos razoamentos humanais».
Mais adiante, este entusiasmo atinge o erotismo, quando acentua a intensidade dessa experiência: «E depois que o taamo mais de dentro da minha alma era perfeitamente apostado e ordenado e o amado era dentro metido, crecia a fiuza aa minha alma e tomava grande atrevimento e com grande atrevimento e com grande desejo que a costrangia, nom se podia mais conter: e lançava-se subitamente aos beijos do seu amado e com os beiços apegados enele aficava-lhe beijos de devaçoom mui de dentro do coraçom». In Instituto Camões, Pedro Calafate.

Obra:
Booco Deleytoso Solitario, por Hermão de Campos, 1515 (microfilme da BNL F-7007)

Cortesia de institutocamoes 
Bibliografia
Mário Martins, «Petrarca no Bosco Deleitoso», em Estudos de Literatura Medieval, Braga, 1956, cap. XI; Aida Fernanda Dias «Boosco Deleytoso», em Antologia de Espirituais Portugueses, org. de Maria de Lurdes Belchior, José Adriano de Carvalho e Fernando Cristóvão, Lisboa, 1994, págs. 25-36.

Cortesia do Instituto Camões/JDACT