quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Pinheiro Chagas: O «fiel inimigo» de Eça de Queirós, o qual o crismou de «brigadeiro Chagas». Apesar das suas obras oscilarem entre um estilo rigoroso e uma atmosfera de afectação, a popularidade de Chagas foi grande, sendo durante muito tempo considerado como um dos mais populares escritores portugueses

(1842-1895)
Lisboa
Diário Ilustrado, Junho de 1873
Cortesia de wikipédia 

Manuel Joaquim Pinheiro Chagas, um prolífico escritor, jornalista e político português. Destacou-se como romancista, historiador e dramaturgo, tendo escrito inúmeros romances históricos e diversas peças de teatro, algumas das quais se mantiveram em cena por mais de um século.
Foi director de vários periódicos de Lisboa. Exerceu as funções de deputado e par do Reino e foi Ministro da Marinha e Ultramar na fase decisiva das movimentações da potências europeias em torno da partilha de África. Foi um dos fundadores da Sociedade de Geografia de Lisboa.

Aluno brilhante, começou desde cedo a demonstrar grande interesse pela escrita. A sua primeira obra publicada foi Anjo do Lar (1863), uma colectânea de poemas, a que se seguiu Poema da Mocidade (1865), outra colectânea poética.

Fotografia de Alfred Fillon, in O Contemporâneo, Lisboa 1875
Cortesia de wikipédia

Foi o prefácio de Castilho àquela obra de poesia juvenil, que levou à eclosão da Questão Coimbrã, polémica onde o grupo de Pinheiro Chagas, Júlio de Castilho, Brito Aranha, Camilo Castelo Branco e Ramalho Ortigão enfrentou Teófilo Braga e Antero de Quental, num epifenómeno literário das tensões entre conservadorismo e reformismo que atravessavam a sociedade portuguesa de então.

A partir daí passa a colaborar intensamente na imprensa e a manter uma actividade literária a que cedo associou uma não menos intensa actividade política. Passou a publicar textos de ficção, sendo um dos introdutores do romance de aventuras em Portugal. Também se interessou pela História, tendo produzido trabalhos, que embora operosos, não seguem as preocupações de rigor e de erudição dos mais conceituados historiadores da época.
Apesar das suas obras oscilarem entre um estilo rigoroso e uma atmosfera de afectação, a popularidade de Pinheiro Chagas foi grande, sendo durante muito tempo considerado como um dos mais populares escritores portugueses. A prová-lo esta que o plebiscito literário realizado em 1884 pelo jornal O Imparcial de Coimbra, que tendo feita uma sondagem sobre quem seriam os 3 escritores portugueses mais notáveis nessa época, obteve dos seus leitores a seguinte classificação:
  • 1.º Camilo Castelo Branco;
  • 2.º Manuel Pinheiro Chagas;
  • 3.º José Maria Latino Coelho.
O seu zoilo Eça de Queiroz, que, fazendo referência ao seu passado como militar, o apodava de brigadeiro Chagas, aparecia apenas no 4.º lugar, seguido de Ramalho Ortigão, Teófilo Braga, Oliveira Martins e Guerra Junqueiro, numa ordenação que pouco diz sobre a popularidade futura dos escritores.

Cortesia de emule

Apesar dessa opinião dos leitores e das suas obras terem gozado de êxito imediato e grande divulgação, tal não se repercutiu após a morte do autor, sendo este praticamente esquecido. Para isso muito contribuíram as polémicas que manteve com Eça de Queirós, que o fizeram pouco querido da geração de intelectuais que se lhe seguiu. Hoje algumas das suas obras têm vindo a ser reeditadas, com razoável êxito. A peça A Morgadinha de Valflor (1869) teve assinalável êxito e manteve-se popular, sendo encenada, particularmente por grupos amadores, durante todo o último século.

Numa nomeação controversa, foi feito professor de Literatura Clássica do Curso Superior de Letras, conjugando também nessa função a sua actividade literária com os seus ideais políticos. Entrou em choque com muitos dos principais protagonistas da vida literária portuguesa de então, do que resultaram inúmeras polémicas, das quais a mais azeda e prolongada, durando mais de 20 anos, foi mantida com Eça de Queirós.

«Último nome maior da primeira geração de críticos literários que Portugal conheceu, Pinheiro Chagas foi também, e mais celebremente, o «fiel inimigo» de Eça de Queirós, o qual o crismou de «brigadeiro Chagas», reprovando-lhe o seu patrioteirismo agarrado ao passado. Com efeito, muito do sucesso do trabalho de Chagas junto do público deveu-se à sua capacidade para, no teatro, na historiografia, na política, na novela, na poesia, tocar com sucesso as cordas mais patéticas da sentimentalidade portuguesa do seu tempo. Isso mesmo torna-o uma leitura um pouco frustrante, hoje, devido ao sucesso posterior do estilo e da atitude de Eça junto do mundo literário e da cultura em geral de Portugal. Mas o seu trabalho inicial, no jornalismo literário, merece consideração por aí se encontrar já tudo o que depois viria a celebrizá-lo, mas ainda numa forma muito primitiva e ingénua». In Carlos Leone
Obras poéticas:
  • Anjo do Lar (1863)
  • Poema da Mocidade (1865), prefaciado por António Feliciano de Castilho
Obras de ficção:
  • Tristezas à Beira-Mar (1866)
  • A Flor Seca (1866)
  • Os Guerrilheiros da Morte (1872)
  • A Corte de D. João V (1873)
  • Astucias de Namorada e Um melodrama em Santo Tirso (1873)
  • O terramoto de Lisboa (1874)
  • A Lenda da Meia Noite (1874)
  • As Duas Flores de Sangue (1875)
  • A Mantilha de Beatriz (1878)
  • A Jóia do Vice-Rei (1890)
Obras dramáticas:
  • A Morgadinha de Valflor (1869)
  • Deputado de Venhanós (1869)
  • A Judia (1869)
  • À Volta do Teatro (1868)
  • Madalena e Helena (1875)
  • Quem Desdenha (1875)
Obras de história e de crítica:
  • Ensaios Críticos (1866)
  • Novos Ensaios (1867)
  • Portugueses Ilustres (1869)
  • História de Portugal (8 volumes, 1869-1874)
  • História Alegre de Portugal (1880)
  • Brasileiros Ilustres (1881)
  • As negociações com a Inglaterra (1890)
  • As colónias portuguesas no século XIX (1891)
  • Os descobrimentos portugueses e os de Colombo (1892)
  • Migalhas da História de Portugal (1893)

Na Avenida da Liberdade, Lisboa
Cortesia de jmgs

«Só desde o momento que essa História, da Literatura e da Crítica, começou a ser feita sistematicamente dentro da Universidade, desde meados do século XX, é que se operou a dupla mutação face à crítica «impressionista» (termo ainda aplicável, aliás, a quase tudo o que um David Mourão-Ferreira cometeu na crítica, como o próprio admitia) em que Chagas se exercitou nos seus ensaios:
  • a constituição de um público no sentido moderno do termo, falta tantas vezes lamentada tanto por Chagas como por outros depois dele (como ainda no caso do Inquérito Literário de Boavida Portugal, em 1915);
  • a criação de um establishment universitário em contacto regular com aquela Europa moderna que a geração de Chagas e Eça, e mesmo antes dela, tomava por ideal normativo.
Sem estas duas mudanças, e a mudança social que se produziu com elas no último quartel do século XX, o mundo literário e social de Chagas permaneceria sendo o nosso. Nesse mundo, a prosa tendia à solenidade e o número de caracteres ainda não era a ultima ratio da escrita, nem mesmo da jornalística. Quem conhecer as longas aberturas dos textos do início do século XX sentir-se-á à vontade entre a prosa dos novos de meados do século XIX, com as suas extensas divagações sobrecarregadas de erudição clássica e moderna.
Como Chagas explica nas suas «Duas palavras d’Introducção», Ensaios Críticos reúne alguns dos textos do «primeiro ano do meu noviciado jornalístico». Nele, e em tudo o que mais se propunha fazer, «a missão da crítica era elevadíssima», mesmo se a adulação colhe sempre mais adeptos, tanto entre os maiores como entre os menores: «Perante a vaidade todos somos iguais». E a modéstia do aspirante a critico, a homem de letras naquela acepção que hoje desapareceu, só torna a leitura dos ensaios mais esmagadora: aquela ideia de cultura já não existe, aquela língua portuguesa já não existe, aquela Pátria já não existe». In Carlos Leone.

Cortesia de arpose

Cortesia do Instituto Camões/wikipédia/JDACT