quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Salvaterra de Magos: Parte V (A). A Falcoaria. A caça, desde sempre ocupação de monarcas, foi o principal atractivo para à deslocação da Família Real a Salvaterra, aproveitando a época propícia, de Novembro ao «Entrudo»

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Com a devida vénia a Joaquim Manuel S. Correia e Natália Brito C. Guedes, «O Paço Real de Salvaterra de Magos», Livros Horizonte, 1989, ISBN 972-24-0723-6, publico algumas palavras.

A caça, desde sempre ocupação de monarcas, foi o principal atractivo para à deslocação da Família Real a Salvaterra, aproveitando a época propícia, de Novembro ao «Entrudo», ou, se o tempo o permitia, até Abril; raramente o fazendo nos meses de Verão. Reuniam-se naquela vila condições especiais para a exercer, justificando a determinação de terra «coutada», ou reserva venatória.

As grandes montarias (aos lobos, raposas, veados, cervos e javalis) iniciavam-se de manhã, partindo a comitiva com «tendas de campanha e apoio de mesas, servidas magnificamente»; só num dia, a 28 de Setembro de 1730 mataram 90 veados e javalis. O excedente era «mandado distribuir pelos Ministros estrangeiros e Senhores da Corte»; a altanaria era especialmente preferida, provindo os falcões de faustosos presentes oferecidos anualmente ao monarca pelo Grão-Mestre da Ordem de Malta ou pelo rei da Dinamarca.


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Na sua «Casa Real de Campo» S. Majestade «sem embargo do divertimento das montarias não deixava de se aplicar ao despacho dos negócios» esclarece-nos a Gazeta de Lisboa.
Tal como todas as coutadas reais, a de Salvaterra estava sob a jurisdição do Monteiro-mor do Reino, responsável por fazer cumprir as determinações régias de âmbito cinegético e florestal. No «Regimento» de 1605 (de novo referimos a época de Filipe II que à administração dos Paços Reais e coutadas régias Portuguesas dedicou especial atenção) estipulava-se a hierarquia subalterna ao Monteiro-mor, serviços de justiça, locais e períodos autorizados para caça, género de espécies a proteger ou abater, penas por infracção ao «Regimento» (que poderiam ir até ao açoite na praça pública ou degredo, sem remissão).

Com o Monteiro-mor do Reino colaboravam os Monteiros-mores das Comarcas, Monteiros de Cavalo e Moços do Monte: Se inicialmente grande percentagem do território português era coutado, a pouco e pouco essas prerrogativas foram sendo extintas «pelo manifesto prejuízo causado nas sementeiras». D. João II e D. Manuel, ouvindo as cortes reduziram drasticamente as terras reais coutadas. Com Filipe II, em 1594, apenas pertenciam à coroa as coutadas de Lisboa (Alcântara e Belém), Sintra, Colares, Almeirim, Salvaterra e as montarias de Santarém.
No termo de Salvaterra vastas propriedades rústicas foram pertença durante os séculos XVII e XVIII de diversas entidades - Ordem de Avis, Monteiro-mor do Reino, Manuel do Quental Lobo (Capitão-mor da Vila de Santarém), Francisco Cotta Falcão, Conde de Unhão, etc.

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A Casa Real era no entanto a maior detentora, especialmente de matas e coutadas; por mercê do Cardeal D. João Esteves, confirmada pelo rei D. João I, igualmente pagavam dízimos ao Convento de Sta Joana, de Lisboa, uma vasta área, registada em escritura pública em 1614 e demarcada por grandes blocos de pedra-lioz, alguns ainda hoje existentes; iniciava-se junto à vala real,.no sítio chamado Boca da Goiva, seguia pela "Pichota", "Casas da Falcoaria", "Gatinheiras", "Coutadinha del'Rei", "Feteira", "Lagoa do Donzel", "Garrocheira", "Arneiro", "Bilrete", "Vale do Pereiro", "Morite das Figueiras", "Monte do Colmeeiro", "Monte da Misericórdia", "Paul", "Monte do Colmeirinho", "Serra da Galega", "Pego da Caldeira"' "Moinho de Magos", "Arneiro do Marco", "Vale da Sardinha ', "Estrada de N.' Sra da Gloria", "Torjaes da Sardinha", "Arneiro da Alpifeita", "Escaroupim”.

O Infante D. Luís «costumava passar alguma parte do Inverno na sua vila de Salvaterra pelo grande divertimento de caça de que é abundante a perdiz e a cujo exercício era sumamente inclinado».
Foram seus Monteiros-mores Simão Freire, Fernão Martins Freire; como Caçadores-mores D. Brás Henriques e seu filho D. Jorge Henriques; oito Trombetas, cinco moços de caça completavam a equipagem do Infante para a caça. D. Sebastião «ajuntou também o gosto de todo o género de caça e montaria no qual se ocupava e gastava a maior parte do tempo nas suas coutadas de Almeirim e Salvaterra; no Inverno». Este monarca na «Lei sobre a caça e pescaria» de 19 de Dezembro de 1560, ao estabelecer o defeso nos meses de Março, Abril e Maio, refere-se além de outras e até em primeiro lugar à caça «… com aves, de qualquer qualidade que sejam», o que, provavelmente, não faria se só ou pequeno número a praticasse, como arte e sem prejuízo apreciável para a conservação das espécies. Filipe II na viagem triunfante que fez a Portugal, passou por Salvaterra; diz-nos o cronista João Baptista Lavanha «... saiu Sua Majestade a montaria, servindo neste exercício o Monteiro-mor Francisco de Melo e os monteiros portugueses; mataram-se alguns porcos montezes».

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A tradição da escolha de Salvaterra para as caçadas reais mantém-se com D. Afonso VI António de Sousa de Macedo, seu biógrafo, recorda uma jornada de 19 de Janeiro de 1663 às duas horas da madrugada, partiu El-Rei e o Infante para Salvaterra. El-Rei se embarcou em um bergantim que não era o Real e o Infante com outro de Henrique Henriques. Foi El-Rei deitado na cama, em sua companhia o Conde de Castelo Melhor e o Marquês de Fontes. Acompanhavam-no Oficiais da Casa em várias embarcações. Convidou para a mesma jornada os fidalgos seguintes: o Conde de Unhão, o Conde de Aveiras, Lourenço de Mendonça, Bernardo de Miranda, Jorge Furtado, Luís Lobo, Diogo Luís, Henrique Henriques, D. Luís de Lencastre, Cristóvão de Almada, o Conde de Sarzedas, o Conde de Serém, Jorge Furtado de Mendonça, António Cavide e o Conde de Mesquitela». A 2 de Fevereiro do ano seguinte «... o Infante levou seus criados à parte. Divertiram-se S. Majestade e Altezas em Salvaterra nos costumados exercícios de caça touros e campo até 25 de Fevereiro, embarcando-se cada um em sua falua e os criados e alguns fidalgos que se não tinham vindo diante do bergantim. Aportou no cais do carvão pelas dez horas e a cavalo veio jantar ao Paço».

Cortesia da CMSalvaterra de Magos/JDACT