quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Salvaterra de Magos: Parte IV. O Teatro. A Ópera. De 1753 a 1792, foram representadas em Salvaterra 64 produções operáticas e ali actuaram os mesmos artistas dos restantes teatros régios


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O Teatro

Com a devida vénia a Joaquim Manuel S. Correia e Natália Brito C. Guedes, «O Paço Real de Salvaterra de Magos», Livros Horizonte, 1989, ISBN 972-24-0723-6, publico algumas palavras.

«Sobressai a toda esta vila a eminência da Casa da Opera de Sua Majestade e adjunto a esta o Palácio Real» observava o P. Miguel Cerqueira nas «Memórias Paroquiais» que redigiu em 1758.

«O Real teatro de Salvaterra de Magos foi inaugurado em 2I de Janeiro de 1753 com a Opera «Didone Abandonata» (composição de Metastásio e música de David Perez) tendo-se representado também no Carnaval desse ano e talvez no mesmo dia o «intermezzo» a duas vozes «La Fantesca, de Adolfo Hasse». Diversas representações, dramas, sérios ou jocosos, «intermezzos», se lhe sucedem com grande êxito cénico e musical sempre que no Inverno a Familia Real permanecia em Salvaterra.

Um ilustre viajante francês que ali se deslocou, no Carnaval, em 1765 registou, nas suas «Memórias»: «À noite assistimos à Ópera composta por oitenta músicos italianos, não só instrumentistas mas também cantores; como a Rainha não gosta de actrizes, os papéis femininos são executados por jovens castrados que têm vozes encantadoras, tão bem vestidos e representando com tanta perfeição que quem não estiver prevenido, enganar-se-á .. Tocava-se «Demetrius, de Metastásio, em que a música do Sr. Perez é de grande beleza, quer em frases quer em acompanhamento, e os instrumentos estão tão bem ligados às vozes que se pode dizer que é uma das melhores óperas que existe na Europa.

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«Esta Ópera de «Demetrius» custou ao rei 200 mil cruzados. O guarda-roupa, bordado a ouro e prata finos, é riquissimo, bordado em Milão. As decorações são pintadas pelos melhores pintores. O rei, a rainha, a princesa do Brasil e as princesas suas irmãs, são grandes músicos e cantam bem (...).

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«A sala de espectáculos de Salvaterra tem uma lotação de 500 pessoas; tem três filas de camarotes de primeira (três camarotes de cada lado); ao fundo um anfiteatro com uma galeria que prolonga de cada lado os primeiros camarotes. Este anfiteatro está coberto com um reposteiro franjado, apoiado em pilares como uma tenda; neste se situa o lugar do Rei que se senta num cadeirão, ao meio, tendo à sua direita o Infante D. Pedro, seu irmão e seu genro e à sua esquerda a Rainha, a Princesa do Brasil e as três outras princesas e ao longo da galeria, à esquerda, as damas de honor. O outro lado, à direita da galeria, fica vazio há oito segundos e oito terceiros camarotes que são ocupados por portugueses aos quais se oferecem bilhetes. Os Ministros do Rei estão sentados na plateia com os fidalgos, sem distinção de categoria. A orquestra tem cerca de 25 a 30 instrumentos. O teatro é bastante grande, ocupando todo o comprimento da sala; o espectáculo começa logo que o Rei entra, vulgarmente cerca das seis e meia, sete horas. A ópera dura 4 horas; verificando-se o maior silêncio. O bailado do 1º «acto do «Demetrius» representa a sala de um mecânico ou maquinista que mostra a um curioso ou estrangeiro um autómato, em que premindo uma mola faz executar diferentes danças e bailados. Primeiro assiste-se a uma entrada de «Pierrots» em seguida a uma de «Espanhóis», de «Arlequins» e «Columbinas» às «mosqueteiros», etc., em que os passos são executados pelos dançarinos como se fossem comandados por molas. Vêm comunicar ao Maquinista que alguém o chama; este sai e o curioso aproveita a sua ausência para examinar os autómatos e observa a máquina, pressiona a mola e os autómatos recomeçam a dançar; como pretende mudar rapidamente a dança anima-se, embaraça-se e por fim escangalha-se a mola; a máquina desafina-se e os autómatos caem de cabeça para baixo, pés para cima, cada um com uma atitude diferente do que resulta um espectáculo divertido; com o barulho o Maquinista chega espantado ao ver as máquinas viradas; tenta recuperá-las e percebe que os fios ou molas estão partidos. Precipita-se sobre elas desesperado e corre atrás do curioso; este foge, atravessando os acessos em que tinham descido os autómatos. «Este bailado é muito bem desenhado e de agradável invenção. O bailado do2º acto é Pantomina. Vê-se ao longe uma ilha sobre o mar e um Príncipe que nela naufraga esta ilha é ocupada por uma feiticeira que quando se apaixona transforma os seus companheiros em estátuas».

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Ela apressa-se em fazer amizade com o Príncipe mas este está ocupado em procurar os seus companheiros; logo que os descobre fica furioso. A feiticeira toca-lhe com a sua varinha, adormecendo-o, e ele cai sobre uma cama de relva; algumas ninfas vêm com flores e saem de repente. Ele acorda e parece envergonhado por se encontrar prisioneiro; a feiticeira finge em ter pressa de o libertar. Ele aparenta querer agradecer-lhe beijando-lhe a mão, mas este era o pretexto para lhe apanhar a varinha. Com a varinha, toca a feiticeira que é arrastada por um carro puxado por dragões. Ele reanima os seus companheiros e imediatamente embarca para fugirem desta ilha.
...«No dia seguinte o Rei voltou da caça às 5 horas. Depois do jantar foi à Ópera ouvir um pequeno «intermezzo» italiano, intitulado «La Cacina».

Alguns cartazes da época
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O gosto pela música era timbre da Família Bragança, atraindo-os em especial a ópera; foi aliás no Paço Ducal de Vila Viçosa que o duque D. João, futuro rei, promovera os primeiros espectáculos pré-operáticos. Os tradicionais «vilancicos» cantados nas noites de Natal e dos Reis, «tragicomédias», «zarzuelas» (memorável a de 1704 «Hazer de cuenta sin ia huéspede» a que assistiu D. Pedro II) prepararam a boa aceitação, em Setecentos, da nova expressão teatral em moda, de influência italiana, a ópera. Se até final do século XVII eram preferidas as composições espanholas, com o início do reinado de D. João V será a Itália que se vão buscar os libretos dos «intermezzi» de Il D. Chisciotte della Mancia (1728), «La Pazienza dì Socrate» (1733), «La finta Pazza» (1731) e «La Spinalba» (I739) representadas num palco improvisado do Paço da Ribeira.

O primeiro teatro de ópera italiana em Portugal será organizado pelo violinista da Capela Real de Lisboa, Alessandro Paghetti, na Academia da Praça da Trindade; a este se sucedem o Teatro Novo da Rua dos Condes, onde se representava «ópera séria» de compositores italianos e o Teatro do Bairro Alto, em que desde 1733 se representavam «óperas Portuguesas» de António José da Silva.
Em Março de 1755 inaugura-se o Teatro junto ao Paço da Ribeira, a «Opera do Tejo», segundo projecto do Arquitecto italiano Giovanni Carlo Bibiena, que o terramoto, sete meses depois, reduziria a cinzas.

Alguns cenários 
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Os teatros do Paço de Queluz, da «Quinta de Cima» da Ajuda e o do Paço de Salvaterra passam então a ser frequentados com maior assiduidade pela corte. Sobretudo o de Salvaterra não interrompe a sua actividade; no período conturbado que se seguiu à grande catástrofe, a corte acompanhando a Família Real manteve as deslocações àquela vila, no início de cada ano.
«Demetrius» teria custado ao Rei, em 1765, duzentos mil cruzados, diz-nos o citado viajante francês, sem comentários. Soma diminuta para o seu País, habituado há quase um século a espectáculos musicais que envolviam grande aparato, mas para o erário português era considerável dispêndio; Por este motivo o Rei determinava saíssem do seu «Bolsinho Particular» grandes reforços, permitindo que à ópera assistissem desde «os simples burgueses», diz-nos o viajante francês, «ao mais alto Senhor» que, obedecendo à pragmática, trajava comummente de «saragossa castanha»; "O Conde de Oeiras, o Duque de Cadaval e outros, não trazem outras casacas"...

As despesas com as óperas de Salvaterra estão detalhadamente documentadas no «Arquivo da Casa Real» oscilando o total, na década de 70, entre 20 a 25.000$000 anuais; as parcelas mais elevadas eram sempre a iluminação, as comedorias, o guarda-roupa e as ajudas de custo.
Duzentas e noventa moedas de ouro de quatro mil e oitocentos réis cada, foi o "cachet" do casal de artistas italianos Vitalba, em 1754, tendo direito ainda a viagens pagas e «casa armada» em Lisboa.

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Nas últimas décadas do século XVIII o guarda-roupa Para as principais óperas era executado em Milão, encomendado por intermédio de João Piaggio, cônsul de Portugal em Génova; os materiais para decoração da cena e adorno dos artistas são minuciosamente descritos na correspondência que acompanhava as «guias de remessa». De 1753 a 1792, foram representadas em Salvaterra 64 produções operáticas e ali actuaram os mesmos artistas dos restantes teatros régios.

Cortesia da CMSalvaterra de Magos/JDACT