sábado, 18 de setembro de 2010

Museu Serralves: Marlene Dumas e «Contra o Muro», uma das mais importantes exposições de pintura dos últimos anos. Um reencontro, sempre renovado com a pintura contemporânea

Cortesia de factorserpientespruz

Segundo as palavras de José Marmeleira, Ipsilon do Jornal PúblicoMarlene Dumas é uma das mais relevantes pintoras contemporâneas. Alcançou um sucesso crítico que, embora não sendo consensual, é acompanhado por sucesso comercial e «Contra o Muro», no Museu de Serralves até ao pf dia 10 de Outubro, promete ser um dos momentos mais singulares da sua carreira. Ao todo são 40 obras feitas na última década, incluindo algumas já deste ano, a grande maioria revelada em Abril, na Galeria David Zwirner, em Nova Iorque, e nunca antes mostradas na Europa. É provável até que dificilmente voltem ser apreciadas nestas condições num país europeu.
«Contra o Muro» é uma exposição marcante e, enquanto individual de pintura, um acontecimento.
Por duas razões:
  • A primeira revela-se naquilo que mostra de inédito da obra da artista. Elementos arquitectónicos e construções humanas que identificam o conflito israelo-palestiniano como motivo pictórico e as pinturas que representam a natureza-morta, tema que durante décadas Marlene Dumas se recusou a trabalhar.
  • A segunda é a obra, com as suas preocupações, desencontros e progressos, numa aventura individual que é também a aventura de toda a arte contemporânea atenta à realidade.
Foi a partir de 1976 que a artista, já a viver na Europa, vinda da África do Sul, descobriu as raízes europeias do conflito entre Israel e a Palestina. Em «Contra o Muro» estamos diante de um cenário político mais explícito e de uma posição, assinalada pela representação do muro erigido por Israel (e de imagens da repressão exercida pelo exército israelita), que muitos interpretarão como pró-palestiniana.

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Cortesia de várias Galerias de Arte
«A relação de Marlene Dumas com a pintura iniciou-se assim por vias exteriores, estrangeiras. Na opinião da artista, não existiam outros caminhos: Vivia inserida numa sociedade que não valorizava a pintura ou que a submetia a um ensino caduco. Não respondia aos meus desejos e aspirações. Chegava a sentir-me culpada por ser uma pintora, actividade que na África do Sul todos achavam insignificante e não tinha modelos. Vivia um conflito com aquilo de que gostava. Por isso, criei a minha própria história pessoal com o suporte».

«Contra o Muro» parece retomar essa velha e difícil relação, reconciliando a pintora com géneros e temas como a abstracção que se insinua no muro de «Em Construção (2009)» e nos blocos azuis de «Barreira mentais (2009)».

«Sempre quis ser uma pintora abstracta, adorava os expressionistas-abstractos, mas a abstracção não era suficiente para mim, pois também queria a realidade. Esse foi outro conflito que experimentei, conta. O impasse acabou resolvido, ou pelo menos atenuado, com o cinema da Nouvelle Vague. Não deixo de pensar a pintura enquanto abstracção, enquanto construção de uma realidade. Não pretendo testemunhar a realidade, apenas confrontar-me com ela. Daí, para mim, nos meus tempos de estudante, a importância de filmes como 'Hiroshima mon amour', do Alain Resnais. Combinava uma história de amor, uma dimensão política ou documental e uma reflexão sobre a linguagem artística, que naquele caso se tratava do cinema. Era essa coexistência que queria encontrar na pintura».

Quando somos jovens artistas queremos fazer sempre coisas diferentes, novas, mas à medida que envelhecemos, se tivermos sorte, aquilo que procuramos, por vezes inconscientemente, surge de uma forma inesperada. Assim, também se deitam abaixo (velhos) muros.

Cortesia de saatchigallery

Cortesia a José Marmeleira/Jornal Público/JDACT