quinta-feira, 30 de setembro de 2010

António Arroyo: «O caso do monumento ao Marquês de Pombal».

Cortesia de Paulo Campos

António ArroyoO caso do monumento ao Marquez de Pombal, Lisboa, Tipographia «A Editora Limitada», 1914.

Com a devida vénia ao Arquivo Histórico (Madeira) de Paulo Campos.

«O Marquez alterou esse modo de ser e deu á cidade um caracter civil. Já algures disse que a Razão d'Estado domina toda a sua obra, E isso vê-se desde logo no traçado da nova cidade. A entrada é pelo caes das columnas. Grandiosa praça regular, quasi quadrada e lançada ortogonalmente sobre a margem do rio, na parte mais avançada para o sul. É a antiga plaza miayor peninsular, a grande place de francezes e flamengos, que agora podemos chamar máxima porque aparece consagrada, não ao municipio, mas ao Estado que se reorganisa e ás suas mais altas estações dirigentes. A Arcada procede desse tipo.

De sul a norte da cidade correm as três ruas eguaes e equidistantes que incidem sobre ela; mas na central, ao entestar com a praça, pousa um grande arco de triunfo. A meio do terreiro central ergue-se a estatua do Rei. Toda a arquitectura é simples, de linhas rectas e de caracter solene. O monumento a meio do terreiro, notável jóia de arte, é de um equilibrio e de uma linha fina inexcediveis. Não muito alto, mas admiravelmente proporcionado ao conjuncto que ele incontestavelmente completa, esse monumento é porventura o mais notável exemplar do género do mundo inteiro. Nâo me refiro como é natural á estatua equestre que o coroa; mas sómente á totalidade da obra, ao seu arranjo, á sua excelência arquitectónica, e á relação em que essa obra está para com tudo quanto a cerca. E, sendo fria e académica toda a escultura ornamental, esse arranjo é tão feliz, e tão superior a beleza do traçado arquitectural, que o pormenor decorativo não lhe diminue em nada o forte e nobre sentimento que o anima.

Cortesia de Paulo Campos
A impressão dessa praça é pois de grande solenidade, mas é ao mesmo tempo isenta da frieza que em geral
caracterisa a obra d'arte oficial; mas é certo também que todo esse arranjo de ordem civil que toma agora a
cidade nova devia contrastar singularmente com o aspecto anterior ao terramoto. Assim se devolveu a cidade de Lisboa, levada pelo impulso pombalino para as terras altas da Avenida; e da rotunda superior, irradia ela novamente em todos os sentidos para, na qualidade de cidade de mármore que é, se integrar constantemente na formula de Pombal e na formula de HerculanoA mais bela de todas as cidades.
 
António Arroyo continua com o seu desenvolvimento:
O monumento tinha necessariamente de encerrar o conjunto dos três temas expressivos a que atrás me referi: ser um organismo forte e valioso, simbolisar o trabalho productor do nosso povo e coroar dignamente a bela cidade reconstruída pelo marquez, no ponto culminante d'onde a vemos desenrolar-se até á borda do Tejo, até ao logar em que ele levantou, ao rei que lhe deu força para realisar a sua obra, um monumento de inexcedivel beleza.
 
Mas emfim o júri, na sua alta sabedoria, não discutiu. Não discutiu e enganou-se. E' incontestável. Porque, ao passo que todos encontram uma enorme superioridade ao monumento que obteve o 2.° premio sobre o primeiro premiado, que verbalmente e por escripto o afirmam sem a menor hesitação, ninguém se apresenta a defender a obra que o júri preferiu. O monumento que obteve o 1º premio é uma obra mal concebida e concebida a frio, sem caracter, sem significação, feita principalmente de bocados ligados apenas materialmente uns aos outros. Mais afirma António Arroyo na capa do livro: Errare humanum est, perseverare autem diabolicum (Errar é humano, perseverar, porém, é diabólico).
 
O 2.° premio encerra uma ideia que julgo absolutamente pombalina. A estatua do terrível marquez aparece bem á frente, em atitude independente, erecta e forte, dominando de cima o conjunto da sua obra, com uma decisão no aspecto que se não desmente nem se esquece um só instante, mas num plano inferior á estatua da Pátria, colocada no vértice mais alto do monumento.
 
Cortesia de Paulo Campos
«O monumento de Marques da Silva e Alves de Sousa é belo e tudo nele é belo. Dir-se-ia nascido dum jacto, como Minerva da cabeça de Júpiter, ou que as mãos dos artistas o moldaram febrilmente, nalguns segundos. Ha nele uma unidade impressionante. Eu não gosto de vêr simbolisar a grandesa magnânima dos heróis na ferocidade bruta do leão. Mas Alves de Sousa não aproveitou os leões como simples elemento decorativo. Humanisou-os um pouco. Eles simbolisam também, e admiravelmente. Pombal, a sua ferocidade, a sua energia, a sua grandeza imponente e brutal. E quantas coisas belas realisou na inconsciência criadora do génio e que a critica depois descobre pacientemente. Colocando a figura de Pombal á grande sombra da Pátria, reduziu essa figura ás suas justas proporções. Pombal regou com sangue a sua obra, que por isso não frutificou. E como é grande e admirável a figura da Pátria. Como sâo injustas e estreitas as criticas que para ahi se ouvem, em palestras! A figura da Pátria é pombalina, solene, robusta, majestosa e friamente convencional. Modifiquem-na um pouco, dê-se um pouco mais de originalidade e de veemência a essa matrona pomposa e ela será o digno coroamento daquela obra sublime». In António Arroyo, «O caso do monumento ao Marquês de Pombal».
 
Cortesia de Paulo Campos

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