segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Antero de Quental: Sonetos. Uma poesia de combate, dedicada ao elogio da capacidade humana. Uma poesia intimista, direccionada para a análise da individualidade

(Antero de Quental 1842-1891)
Cortesia de parandhamspaces
Logos
Tu, que eu não vejo, e estás ao pé de mim
E, o que é mais, dentro de mim — que me rodeias
Com um nimbo de afectos e de idéias,
Que são o meu princípio, meio e fim...

Que estranho ser és tu (se és ser) que assim
Me arrebatas contigo e me passeias
Em regiões inominadas, cheias
De encanto e de pavor... de não e sim...

És um reflexo apenas da minha alma,
E em vez de te encarar com fronte calma,
Sobresalto-me ao ver-te, e tremo e exoro-te...

Falo-te, calas... calo, e vens atento...
És um pai, um irmão, e é um tormento
Ter-te a meu lado... és um tirano, e adoro-te!
Antero de Quental, in «Sonetos»

Luta
Fluxo e refluxo eterno...
João de Deus.

Dorme a noite encostada nas colinas.
Como um sonho de paz e esquecimento
Desponta a lua. Adormeceu o vento,
Adormeceram vales e campinas...

Mas a mim, cheia de atracções divinas,
Dá-me a noite rebate ao pensamento.
Sinto em volta de mim, tropel nevoento,
Os Destinos e as Almas peregrinas!

Insondável problema!... Apavorado
Recúa o pensamento!... E já prostrado
E estúpido á força de fadiga,

Fito inconsciente as sombras visionárias,
Enquanto pelas praias solitárias
Ecoa, ó mar, a tua voz antiga.
Antero de Quental, in «Sonetos»

Voz Interior
(A João de Deus)

Embebido n'um sonho doloroso,
Que atravessam fantásticos clarões,
Tropeçando n'um povo de visões,
Se agita meu pensar tumultuoso...

Com um bramir de mar tempestuoso
Que até aos céus arroja os seus cachões,
Através d'uma luz de exalações,
Rodeia-me o Universo monstruoso...

Um ai sem termo, um trágico gemido
Ecoa sem cessar ao meu ouvido,
Com horrível, monótono vaivém...

Só no meu coração, que sondo e meço,
Não sei que voz, que eu mesmo desconheço,
Em segredo protesta e afirma o Bem!
Antero de Quental, in «Sonetos»   

Cortesia de O Citador/JDACT