segunda-feira, 26 de julho de 2010

Navegações Portuguesas: Parte III. Cartografia náutica medieval

Cortesia de lumenartis

Com a devida vénia a António Costa Canas e ao Instituto Camões, publico algumas palavras.

A concepção que os homens medievais tinham do mundo era bastante condicionada por factores de ordem religiosa. Como consequência deste facto, a maioria das representações do planeta, naquela época, eram essencialmente simbólicas. São exemplo dessa visão os famosos mapas T‑O, nos quais se representava mundo conhecido como um círculo, «O», com um «T» no seu interior. Este último representava o Mar Mediterrâneo e os rios Nilo e Don que separavam os três continentes conhecidos, Europa, Ásia e África. No centro do mundo estava a cidade santa de Jerusalém.

Carta de Lopo Homem
Cortesia do Instituto Camões
Os mapas acima referidos não tinham, como é óbvio, qualquer utilidade prática. Ainda durante a Idade Média foi‑se desenvolvendo um tipo de cartas com grande utilidade para os navegadores, as chamadas cartas‑portulano. Estas não são mais do que a representação gráfica, de informação náutica que circularia numa forma descritiva, nos portulanos. Embora “descendendo” de uma tradição já existente na Antiguidade, nos chamados périplos, podemos constatar que este género de informação, direcções e distâncias entre diversos pontos das costas do Mediterrâneo é contemporâneo das cartas‑portulano. Estes elementos, que circulavam em suporte escrito ou era transmitidos por via oral, e as cartas eram complementares entre si. O mais antigo portulano conhecido, Il Compasso da navigare, teria sido redigido em 1296.

Cortesia do Instituto Camões
Da mesma época que o portulano referido, finais do século XIII, será a mais antiga carta‑portulano conhecida. Designada por «Pisana», pelo facto de ter sido encontrada na cidade de Pisa, teria no entanto sido desenhada em Génova. Tendo como suporte o pergaminho, nela está representada a bacia do Mediterrâneo e parte da costa atlântica até à região da Flandres. Contudo, verifica‑se que o rigor da representação do Mediterrâneo é muito superior ao rigor da parte atlântica.
O carácter prático e com um objectivo bem definido destas cartas, que era o de facilitarem a navegação marítima, pode ser deduzido do facto de nelas não existir praticamente nenhuma informação sobre a parte terrestre. Apenas encontramos registado o nome dos diferentes locais costeiros, não existindo qualquer género de informações sobre o interior.

Uma das características mais típicas das cartas‑portulano é a «teia» de linhas, irradiando a partir de determinados pontos da carta, característica esta que se manteve na cartografia náutica da Idade Moderna. Estas linhas não são mais que os diversos rumos possíveis, correspondendo portanto às direcções indicadas pelas bússolas. O desenvolvimento desta cartografia estará certamente ligado à introdução das bússolas a bordo, facto que permitiu aos navegadores determinarem com muito mais rigor a direcção para onde dirigiam os seus navios. Numa primeira fase, esta rede de rumos era composta por dezasseis linhas irradiando desses pontos, mas posteriormente passaram a ter trinta e dois rumos, número que se manteve por vários séculos.
Outro aspecto importante a registar relativamente a este tipo de cartas é a inexistência de um qualquer tipo de projecção subjacente às mesmas. Alguns autores tentaram propor vários tipos de projecção a partir dos quais estas cartas seriam construídas. Alguns quiseram relacioná‑las com a projecção de Marino de Tiro, sobre a qual dispomos de pouca informação credível. No entanto, estas cartas não seriam construídas obedecendo a um qualquer sistema matemático de projecção. A informação nelas registada seria simplesmente a direcção, conforme fornecida pelas bússolas, e a distância, estimada pelos navegadores, entre os diferentes locais. Estamos perante uma representação semelhante àquela que se utiliza para efectuar levantamentos topográficos expeditos. Dada a relativamente pequena área da superfície terrestre coberta por estas cartas, os erros cometidos ao ser adoptado este procedimento eram pequenos.

Cortesia de asgrandesnavegamaritimas
Os principais centros produtores deste género de cartas situavam‑se no Mediterrâneo, conforme já indicámos. Génova, Maiorca e Veneza foram os principais centros náuticos onde foram elaboradas cartas‑portulano na época medieval. A partir destes locais foram sendo difundidas as técnicas tendo as mesmas chegado a outros locais do Mediterrâneo e inclusivamente das costas do Atlântico.

Em relação à sua introdução em Portugal é difícil definir uma data, uma vez que não são conhecidas cartas portuguesas anteriores ao final do século XV. No entanto, existe um facto documentado, que nos permite afirmar que certamente se produziriam cartas‑portulano em Portugal, pelo menos a partir do início desse século. Estamo-nos a referir à vinda para o nosso país, cerca de 1420, por iniciativa do Infante D. Henrique, de um mestre cartógrafo, Jaime de Maiorca. Certamente que o principal objectivo do convite que lhe foi dirigido seria que ele ensinasse a portugueses as mais avançadas técnicas cartográficas da época, para que elas fossem aplicadas no registo das novas terras que iam sendo descobertas pelos portugueses. E essa aplicação era certamente realizada pois são diversos os cronistas que fazem referência a esse registo, em suporte cartográfico, de novas terras conhecidas pelos portugueses. Cortesia de António Costa Canas

Projeção de Mercator
Nova et Aucta Orbis Terrae Descriptio ad Usum Navigatium Emendate (1569)
Cortesia de learnnc
Armando Cortesão definiu quatro grandes marcos na história da ciência náutica e da cartografia: o desenvolvimento da carta‑portulano, no século XIII, no Mediterrâneo; a invenção da navegação astronómica e consequente introdução da escala das latitudes nas cartas, em finais do século XV; a descoberta da loxodrómia e a sua representação por uma linha recta na carta desenhada segundo a projecção de Mercator; e por último o aperfeiçoamento do cronómetro, pelo inglês Harrisson, em finais do século XVIII, que permitiu a determinação da longitude no mar. Entre estes passos, o segundo é quase exclusivamente português, enquanto que em relação à projecção de Mercator podemos afirmar que ela deve muito aos estudos realizados pelo grande matemático Pedro Nunes, que descobriu o conceito de loxodrómia e cuja obra seria certamente conhecida de Mercator, que nela se teria inspirado para conceber a projecção que celebrizou o seu nome.

Bibliografia:
  • ALBUQUERQUE, Luís de “Cartografia da Idade Média”, in Luís de Albuquerque [dir.], Dicionário de História dos Descobrimentos Portugueses, vol I, Lisboa, Círculo de Leitores, 1994, pp. 212‑213;
  • JOURDIN, Michel Molat du, RONCIÈRE, Monique de la, Les Portulans. Cartes Marines du XIIIe au XVIIe siècle, [s.l.], Office du Livre, [s.d.];
  • RANDLES, W. G. L. Da Terra plana ao globo terrestre, Lisboa, Gradiva, 1990.
Instituto Camões, 2002

Cortesia do Instituto Camões/JDACT