sexta-feira, 2 de julho de 2010

José Gomes Ferreira: Homem «notável» de longos cabelos brancos. Voz de protesto contra o mundo desconcertante, opressor, e simultaneamente monótono do seu tempo, fez dele um «poeta militante» intemporal. Colocou o seu individualismo ao serviço da urgência do social

(1900-1985)
Porto
Cortesia de wikipédia
José Gomes Ferreira imortalizou-se no campo da Literatura Portuguesa nas áreas da Poesia e da Prosa. Pertenceu à geração do Novo Cancioneiro, com evidentes influências surrealistas, simbolistas, e sobretudo neo-realistas. A sua voz de protesto contra o mundo desconcertante, opressor, e simultaneamente monótono, do seu tempo, fez dele um "poeta militante" intemporal, trilhando caminhos já muitas vezes trilhados, mas nunca exactamente os mesmos.
A sua mensagem, sempre actual, é a vivência real de um homem e autor com os cinco sentidos despertos para tudo o que o rodeia, colocando o seu individualismo ao serviço da urgência do social. A sua vasta obra reflecte este seu desejo de mudar esse Mundo, o que acredita fazer com o poder da palavra.
Com quatro anos de idade mudou-se para a cidade de Lisboa. Colaborou com Fernando Pessoa, ainda muito jovem, num soneto para a revista Ressurreição.
A sua consciência política começou a florescer também ela cedo, sobretudo por influência do pai (democrata republicano). Licencia-se em Direito, tendo trabalhado posteriormente como Cônsul na Noruega. Paralelamente, seguiu também carreira como compositor, chegando a ter a sua obra «Suite Rústica» estreada pela orquestra de David de Sousa.

Regressa a Portugal em 1930 e dedica-se ao jornalismo. Fez colaborações importantes tais como nas publicações Presença, Seara Nova, Descobrimento, Imagem, Sr.Doutor e Gazeta Musical e de Todas as Artes. Também traduziu filmes sob o pseudónimo de Álvaro Gomes. Inicia-se na poesia com o poema Viver sempre também cansa em 1931, publicado na revista Presença. Apesar de já ter feito algumas publicações nomeadamente os livros Lírios do Monte e Longe, foi só em 1948 que começou a publicação séria do seu trabalho, com Poesia I e Homenagem Poética a António Gomes Leal.
Ganhou em 1961 o Grande Prémio da Poesia da Sociedade Portuguesa de Escritores, com Poesia III.
Comparece a todos os grandes momentos «democráticos e antifascistas» e, pouco antes do MUD (Movimento Unitário Democrático), colabora com outros poetas neo-realistas num álbum de canções revolucionárias compostas por Fernando Lopes Graça, com a sua canção «Não fiques para trás, ó companheiro». Tornou-se Presidente da Associação Portuguesa de Escritores em 1978 e foi candidato em 1979, da APU (Aliança Povo Unido), por Lisboa, nas eleições legislativas intercalares desse ano. Associou-se ao PCP (Partido Comunista Português) em Fevereiro do ano seguinte. Foi condecorado pelo Presidente Ramalho Eanes como grande oficial da Ordem Militar de Santiago de Espada, recebendo posteriormente o grau de grande oficial da Ordem da Liberdade.
No ano do Centenário do nascimento do Poeta, a Videoteca da Câmara Municipal de Lisboa produziu um documentário biográfico sobre José Gomes Ferreira, intitulado Um Homem do Tamanho do Século. Foi realizado por António Cunha (director da Videoteca), com uma magnífica interpretação do actor João Mota, dizendo diversos poemas de José Gomes Ferreira. Também a pianista Gabriela Canavilhas participa no documentário, interpretando uma peça musical praticamente inédita, composta por Gomes Ferreira para piano.

«Poeta: incendeia a espada!»
(José Gomes Ferreira)
acrílico s/ platex, 59 x 49, 1989, de Mário Dionísio
Cortesia de .centromariodionisio
Sinopse do documentário: A vida e obra de José Gomes Ferreira atravessam praticamente todo o século XX. «Até 2000 ainda espero…Depois desisto», dizia ele às vezes nas suas tertúlias de Amigos. Este documentário , integrado nas celebrações do centenário do nascimento do poeta (1900-2000) procura contribuir para ampliar o conhecimento desse Homem notável, de longos cabelos brancos, e condensar num filme a memória dessa figura tão singular da nossa Literatura.

A sua obra:
Poesia
  • Lírios do Monte - 1918;
  • Longe - 1921;
  • Marchas, Danças e Canções (colaboração) - 1946;
  • Poesia I - 1948;
  • Homenagem Poética a Gomes Leal (colaboração) - 1948;
  • Líricas (colaboração) - 1950;
  • Poesia II - 1950;
  • Eléctico - 1956;
  • Poesia III - 1962;
  • Poesia IV - 1970;
  • Poesia V - 1973;
  • Poeta Militante I, II e III - 1978.
Ficção
  • O Mundo Desabitado - 1960;
  • O Mundo dos Outros - histórias e vagabundagens"- 1950;
  • Os segredos de Lisboa - 1962;
  • Aventuras Maravilhosas de João Sem Medo - 1963;
  • O Irreal Quotidiano - histórias e invenções - 1971;
  • Gaveta de Nuvens - tarefas e tentames literários - 1975;
  • O sabor das Trevas - Romance-alegoria - 1976;
  • Coleccionador de Absurdos - 1978;
  • Caprichos Teatrais - 1978;
  • O Enigma da Árvore Enamorada - Divertimento em forma de Novela quase Policial - 1980.
Crónicas
  • Revolução Necessária - 1975;
  • Intervenção Sonâmbula - 1977.
Memórias e Diários
  • A Memória das Palavras - ou o gosto de falar de mim - 1965;
  • Imitação dos Dias - Diário Inventado - 1966;
  • Relatório de Sombras - ou a Memória das Palavras II - 1980;
  • Passos Efémeros - Dias Comuns I - 1990;
  • Dias Comuns.
Contos
  • Contos - 1958;
  • Tempo Escandinavo - 1969.
Ensaios e Estudos
  • Guilherme Braga (colaboração na «Perspectiva da Literatura Portuguesa do séc. XIX») - 1948;
  • Líricas (colaboração) - 1950;
  • Folhas Caídas de Almeida Garrett (introdução) - 1955;
  • Contos Tradicionais Portugueses (colaboração na escolha e comentação; prefácio) - 1958;
  • A Poesia de José Fernandes Fafe - 1963;
  • Situação da Arte (colaboração) - 1968;
  • Vietnam (os escritores tomam posição) (colaboração) - 1968;
  • José Régio (colaboração no "In Memorium de José Régio") - 1970;
  • A Filha do Arcediago de Camilo Castelo Branco (nota preliminar) - 1971;
  • Lisboa na Moderna Pintura Portuguesa (colaboração) - 1971;
  • Uma Inútil Nota Preambular de Aquilino Ribeiro (introdução a «Um Escritor confessa-se») - 1972.
Entrei no café com um rio na algibeira
Entrei no café com um rio na algibeira
e pu-lo no chão,
a vê-lo correr
da imaginação...

A seguir, tirei do bolso do colete
nuvens e estrelas
e estendi um tapete
de flores
a concebê-las.

Depois, encostado à mesa,
tirei da boca um pássaro a cantar
e enfeitei com ele a Natureza
das árvores em torno
a cheirarem ao luar
que eu imagino.

E agora aqui estou a ouvir
A melodia sem contorno
Deste acaso de existir
-onde só procuro a Beleza
para me iludir
dum destino.
José Gomes Ferreira
Cortesia de wikipédia/Sara Rodrigues/JDACT