sexta-feira, 2 de julho de 2010

Diego Velázquez: As Meninas. Análise e Comentários. A habilidade da composição do espaço, a perspectiva e a luz, as cores e tons, a facilidade para caracterizar as personagens

A Família de Filipe IV, mais conhecida como As Meninas, é o nome de um famoso quadro pintado em 1656 pelo pintor espanhol Diego Velázquez. A obra está no Museu do Prado. Ao centro pode-se ver a infanta Margarida Teresa de Habsburgo, filha de Filipe IV, acompanhada de suas damas de companhia, de seus criados, de uma anã e uma criança que mexe com um cão. Já no canto esquerdo, vê-se um auto-retrato de Velázquez, em cuja veste percebemos a cruz da Ordem de Santiago, que foi incluída na tela somente após sua morte. Os reflexos do rei e da rainha da Espanha surgem num espelho atrás da infanta. Acima do retrato há dois quadros do acervo do palácio e, mais ao fundo, um homem entra em cena e movimenta a cortina, trazendo mais luminosidade à tela.
Nomeada originalmente como A Família, a tela foi salva de um incêndio que atingiu o Palacio Real de Madrid em 1750, passando ao Museu do Prado em 1819 e recebendo, posteriormente, o título de Las Meninas. Embora «menina» seja uma palavra da língua portuguesa, era usada na corte espanhola com o sentido de «dama de companhia», segundo a opinião de investigadores linguísticos.

É uma das obras pictóricas mais analisadas e comentadas no mundo da arte. Como tema central mostra a infanta Margarida de Áustria, embora a pintura apresente outras personagens, incluída o próprio Velázquez. O artista resolveu com grande habilidade os problemas de composição do espaço, a perspectiva e a luz, graças ao domínio que tinha do tratamento das cores e tons junto com a grande facilidade para caracterizar as personagens. Um espelho colocado na parte do fundo da pintura reflecte as imagens do rei Filipe IV da Espanha e a sua esposa Mariana de Áustria, segundo uns historiadores, entrando na sessão de pintura, e segundo outros, posando para ser retratados por Velázquez. Deste modo e segundo este argumento, seria a infanta Margarida e os seus acompanhantes os que vinham de visita para ver a pintura dos reis
Antonio Palomino escreveu uma biografia muito extensa e cheia de pormenores do pintor Velázquez. Muitos dos dados obteve-os do que lhe ia contando Juan de Alfaro, um pintor discípulo de Velázquez nos últimos anos. Seguindo a leitura de tal biografia, no terceiro volume subtitulado El parnaso español pitoresco laureado, podem-se conhecer algumas circunstâncias do quadro. 

A pintura foi terminada em 1656, data que encaixa com a idade que aparenta a infanta Margarida (uns cinco anos). Filipe IV e dona Mariana costumavam entrar com frequência na oficina do pintor, conversavam com ele e às vezes ficavam bastante tempo vendo-o trabalhar, sem protocolo algum. Isto era algo muito repetido na vida normal de Palácio e Velázquez estava acostumado a estas visitas. O lugar onde trabalhava Velázquez era uma sala ampla do piso térreo do antigo Alcázar de Madrid que fora o aposento do príncipe Baltasar Carlos, morto em 1646, dez anos antes da data d'As Meninas. É precisamente este aposento que aparece retratado no quadro. 
A numeração das personagens de As Meninas.
1- A infanta Margarida, a primogênita dos reis, é a figura principal. Tem cinco anos e está acompanhada por crianças e outros personagens. É a alegria dos seus pais como única sobrevivente dos vários filhos que foram nascendo e falecendo. A infanta Margarida foi a pessoa da família real mais retratada por Velázquez.
2- Dona Isabel de Velasco, filha do conde de Fuensalida que contraiu matrimônio com o duque de Arcos, a outra criança, está ao outro lado, em pé, vestida com a saia ou basquinha de guardainfante, em atitude também de fazer uma reverência.
3- Dona Maria Agustina Sarmiento de Sotomayor, criança da infanta, filha do conde de Salvatierra e herdeira do Ducado de Abrantes por via materna do sua mãe Catalina de Alencastre. A Infanta pediu água para beber e D. Maria Agustina ofereceu-lhe sobre uma bandeja um jarro de argila porosa e perfumada que refrescava a água. A criança inicia o gesto de se reclinar frente da real pessoa, gesto próprio do protocolo de palácio.
4- Mari-Bárbola é a anã hidrocéfala que vemos à direita.
5- Nicolasito Pertusato, italiano, está ao seu lado e aparece batendo com o pé a um mastim pintado em primeiro término, com ar tranquilo.
6- Dona Marcela de Ulloa está detrás de Dona Isabel. Vai enfeitada com tocas de viúva. Era a Camareira-Mor (ou guarda-mor da princesa).
7- O personagem que está ao seu lado, meio em penumbra, é um guarda-damas mas não o menciona Palomino no seu conto, embora os estudos recentes asseguram que se trata de Diego Ruiz Azcona, prelado basco de família fidalga que fora bispo de Pamplona e arcebispo de Burgos, ostentando o cargo de Aio dos Infantes da Espanha.
8- José Nieto Velázquez é a personagem que se vê ao fundo do quadro, na parte luminosa, atravessando o corredor por um vão cuja porta aberta nos amostra os típicos quarterões. Como diz o crítico de arte Harriet Stone não se pode estar seguro se a sua intenção é sair ou entrar na sala
9- À esquerda e diante duma grande tela, o espectador vê ao autor da obra, Velázquez. Está de pé e mantém nos seus mãos a paleta e o pincel, numa atitude pensativa, como se examinasse aos seus modelos antes de aplicar outra pincelada.
10 e 11- Filipe IV e a sua esposa Mariana de Áustria, na distância do quadro, reflectem-se num espelho detrás do pintor. Com o espelho, mostra-se o que pinta Velázquez. Pinta os reis, que posam «fora do quadro», mais ou menos no lugar onde está o espectador. É uma variância que nos integra na pintura, fusionando realidade e aparência.
Vários historiadores opinam que, como boa obra barroca, esconde várias mensagens solapadas, que unicamente o público culto da Corte podia captar. A interpretação mais fácil é descrever a imagem como uma cena habitual num palácio. Segundo Jonathan Brown, que recolhe nos seus textos diversas teorias anteriores (Sohener), a cena representa o momento em que a infanta Margarida chegou ao estúdio de Velázquez para ver trabalhar o artista. Em algum momento  pediu água que agora oferece à dama ajoelhada à esquerda. No momento em que esta acerca à princesa uma pequena jarra, o rei e a rainha entram no aposento reflectindo-se no espelho da parede do fundo. Uma a uma, embora não simultaneamente, as pessoas congregadas começam a reagir frente da presença real. A dama de honra da direita que foi a primeira em vê-los, começa a fazer a reverência. Velázquez notou também a sua aparição e detém-se no meio do trabalho.
Mari-Bárbola não teve tempo ainda de reagir. A infanta, que estava olhando a Nicolasito Pertusato brincar com o cão, olha de repente para a esquerda, na direcção dos reis, embora a sua cabeça permaneça ainda na direção do anão. Esta é a razão do estranho efeito de deslocamento entre a posição da cabeça e a direcção da sua visão. Agustina Sarmiento, ocupada em servir a água à princesa, não se deu conta, ainda, da presença dos reis, o mesmo acontece à senhora de honra em conversação com o guarda-damas.

(As Teorias)

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