segunda-feira, 28 de junho de 2010

Castelo de Vide: Os seus arredores em 1758, Parte I. Freguesia de São João Baptista

Cortesia de Ruy Ventura
Com a devida vénia a Ruy Ventura, Arquivo do Norte Alentejano, publico parte das Memórias Paroquiais de Castelo de Vide (Memória nº 222, volume 10, folhas 1461 a 1489) 

I
(folhas 1461 a 1476)
Notícia da muito sempre leal, nobre, grande e notável vila de Castelo de Vide.
Está esta vila na província do Alentejo. Pertence à comarca e bispado de Portalegre, de cuja cidade dista duas léguas. 
Nos tempos antigos foi único senhor desta vila Gonçalo Anes de Abreu que, por sê-lo, se nomeia na crónica de el-rei Dom João o 1º “Gonçalo Anes de Castelo de Vide”, a quem este rei comprou o senhorio, atendendo à importância de tão grande vila.
El-rei Dom Afonso V a deu por engano a Vasco Martins de Melo, mas depois se arrependeu e lhe tirou o senhorio e lhe deram por equivalente [a] alcaidaria-mor de Évora e o povo sessenta mil reais brancos. E para a segurar na Coroa lhe deu privilégio de que nunca mais saísse dela nem fosse dada a nenhuma pessoa, por de maior qualidade que fosse, cuja mercê foi feita em capítulo de Cortes, e a carta dada depois em Lisboa em vinte e quatro de Junho de mil e quatrocentos e sessenta e um. E nesta carta refere tudo o que está dito nesta primeira resposta e deixa a sua benção a todos os reis sucessores que guardarem este privilégio e a maldição aos que o quebrarem.
El-rei Dom João o 3º. a deu a seu irmão o infante Dom Duarte. Opôs-se a vila a esta mercê e el-rei escreveu uma carta em vinte e seis de Agosto aos principais da vila, ano de 1540, nomeando-os a todos por seus nomes, persuadindo-os com muitas urbanidades a que consentissem à mercê, visto ser dada a um infante seu irmão, filho de um rei, de quem receberia muitos favores e honras. A mercê não teve efeito. É tradição que o povo fez representação a el-rei quanto importava à Coroa o ter esta vila, e que o santo justo rei, quando leu a representação, dissera “têm razão”. A carta original se conserva nesta vila e dela consta que foi portador dela o desembargador António Cardoso, e que trazia a Carta de Crença para patear com os moradores.
Toda a vila tinha no ano de mil e quinhentos e setenta e dois 1400 vizinhos (consta do tombo da Câmara, fl. 213 vº). No ano de 1608 tinha mil e seiscentos vizinhos (consta do mesmo tombo, fl. 316). No ano de 1674 tinha dois mil vizinhos (consta do alvará de privilégio de “vila notável”, do que se vê se enganou Rodrigo Mendes da Silva na sua Población, dando-lhe por este tempo 800 vizinhos. Diminuíram-se estes com a demolição do Bairro da Mealhada no princípio da Guerra da Quádrupla Aliança, pois no ano de 1734 tinha a vila 1811 vizinhos, contados os róis das confissões das três freguesias, dos quais eram da matriz de Santa Maria 1908 [sic], da de São João 486, da de Sant´ Iago 227, e hoje se acha a povoação com insensível diferença.
Está esta vila situada em o alto de um monte. E da parte do sul lhe fica a alta serra de São Miguel, mui vizinha. Desta vila se descobre[m]: Castelo Branco, a 9 léguas de distância; Vila Velha do Ródão, a 5 léguas de distância; Monsanto da Beira, a 12 léguas; estas da província da Beira. E outras em confusão, em grande distância, porque se vêem as serras da Gata, da Estrela, e Plasência e muitas outras. Vê-se também da Estremadura portuguesa Abrantes, a 11 léguas. Da Estremadura castelhana, San Tiago, a 4 léguas. Da província do Alentejo: Montalvão, 4 léguas; Póvoa das Meadas, 2 léguas; Nisa, a 3; Marvão, a 1 légua. Muit[a]s mais se veriam desta província, se da parte do Sul não ficara a serra de São Miguel, de cujo alto se vêem dez arcebispados e bispados, e três priorados. Este[s] são o do Crato, Avis e o de Alcântara. E por todas as parte até perder ao longe muito a vista.
Tem esta vila termo próprio. No tempo antigo o teve maior, porque se lhe desanexaram os termos das vilas das Meadas e Póvoa das Meadas, o das Meadas em 23 de Julho da era de César de 1345 e o da Póvoa anos depois. E por esta razão a igreja das Meadas era filial da matriz antiga desta vila e a da Póvoa filial da de Sant´ Iago. E por isso hoje todas as três freguesias desta vila têm dízimos da Póvoa, onde se juntam os dos dois termos desanexados.
As três paróquias de Castelo de Vide estão dentro dos muros e no termo desta vila. Só há duas pequeninas povoações chamadas uma o Valador (por corrupção de Lavador, por haver aí um grande nascimento de água em que se lava a roupa desta vila) e tem 12 fogos e está da parte de cá da serra de São Miguel. E outro se chama o Monte da Casada e tem 11 fogos e está da parte de lá da serra e dista da vila um quarto de légua. E ambos estes montes são da freguesia de São João.
Quanto ao espiritual, há um montinho no termo de Portalegre chamado Monte do Andreu, que pertence à minha freguesia e tem 8 vizinhos. Poucos anos há que o cura das Carreiras requereu a Vossa Excelência lhe anexasse o tal Monte à sua freguesia, alegrando se lhe tinha desmembrado dela na Guerra da Aclamação, por estar[em] vizinhos a esta praça e, medrosos da guerra, se vieram meter na sua freguesia. Porém foram achados nos livros desta freguesia muitos termos de baptismos de meninos deste Monte, muitos anos antes da tal guerra». In Ruy Ventura, Memórias Paroquais
NOTA: Actualizou-se a ortografia e pontuação do documento.
Cortesia de Ruy Ventura, com a amizade de JC e SB/JDACT