domingo, 14 de março de 2010

Cesário Verde: Nas nossas ruas ao anoitecer...

Cesário Verde (1855-1886) foi um poeta português. Em 1877 começou a dar sinais a tuberculose, doença que já lhe tirara o irmão e a irmã. Estas mortes servem de inspiração a um de seus principais poemas, Nós (1884). Tenta curar-se da tuberculose, mas sem sucesso; vem a falecer no dia 19 de Julho. No ano seguinte Silva Pinto, seu amigo de sempre, organiza O Livro de Cesário Verde que é uma compilação da sua poesia.
De poesia delicada, Cesário empregou técnicas impressionistas, com extrema sensibilidade ao retratar a Cidade (escura, podre, repleta de perigos e doenças, onde se sente mais inseguro e fragilizado) e o Campo(onde se sente vivo, pleno e saudável), que são os seus cenários predilectos. Evitou o lirismo tradicional, expressando da forma mais natural possível.
Pouco aceite no seu tempo, a poesia de Cesário Verde caracteriza-se pela oposição ao lirismo tradicional.
Eu e Ela
Cobertos de folhagem, na verdura,
O teu braço ao redor do meu pescoço,
O teu fato sem ter um só destroço,
O meu braço apertando-te a cintura;

Num mimoso jardim, ó pomba mansa,
Sobre um banco de mármore assentados.
Na sombra dos arbustos, que abraçados,
Beijarão meigamente a tua trança.

Nós havemos de estar ambos unidos,
Sem gozos sensuais, sem más idéias,
Esquecendo para sempre as nossas ceias,
E a loucura dos vinhos atrevidos.

Nós teremos então sobre os joelhos
Um livro que nos diga muitas cousas
Dos mistérios que estão para além das lousas,
Onde havemos de entrar antes de velhos.

Outras vezes buscando distração,
Leremos bons romances galhofeiros,
Gozaremos assim dias inteiro,
Formando unicamente um coração.

Beatos ou apagãos, via à paxá,
Nós leremos, aceita este meu voto,
O Flos-Sanctorum místico e devoto
E o laxo Cavaleiro de Faublas...
Cesário Verde, in «O Livro de Cesário Verde»

Através de processos impressionistas, de grande sugestividade, condensando e combinando sensações físicas e morais num só elemento, levou a cabo uma renovação ímpar, no século XIX, da estilística poética portuguesa, abrindo caminho ao modernismo e influenciando decisivamente poetas posteriores.
JDACT

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